“Não quero ser chefe”: eis outras possibilidades de carreira além da gestão

A visão de sucesso profissional já não vem agarrada a cargos de gestão, mas à satisfação profissional.

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Profissionais mais jovens — mas não só — estão a mudar a sua relação com o trabalho e a redefinir o significado de sucesso profissional. Procuram mais equilíbrio e, acima de tudo, querem ver sentido no que estão a fazer.

Sim, há quem não queira ser chefe. São pessoas que fogem de cargos administrativos ou de gestão, numa tendência chamada "quiet ambition" (ambição silenciosa, em português) pela revista norte-americana Fortune.

É mais comum do que pensas, como mostra um inquérito da empresa Visier. Entrevistaram mil pessoas (que não estão em cargos de chefia) nos Estados Unidos. Vamos aos números:

  • 38% dos entrevistados querem um cargo de gestão na empresa em que trabalham. Os 62% restantes preferem continuar a trabalhar individualmente;
  • 36% estão interessados num cargo de gestão noutra empresa — o que mostra que o problema não é a empresa em que trabalham.

Porquê? A geração Z cresceu a ver os pais, tios e avós a reclamarem de um ambiente tóxico nas empresas, explica Victor Martinez, professor em psicologia social. Então, não vêem as empresas como um ambiente seguro.

Isso significa que eles não têm ambição? Não. Para Martinez, o que motiva os jovens actualmente é o reconhecimento das suas contribuições e competências. A visão de sucesso profissional já não vem agarrada a cargos de gestão, mas à satisfação profissional.

O cenário ameaça a sucessão nas empresas? Não necessariamente. "Não é bom que todo mundo queira ser gestor, porque não há vaga de gestão para todos", explica Paula Esteves, co-CEO da Cia de Talentos.

Mais do que isso: ser gestor não é para qualquer um. Mas antes: qual a diferença entre um líder e um gestor?

O gestor geralmente recebe o título de supervisor, coordenador, gerente ou director, explica Leila Santos, especialista em liderança e carreira. Nesse cargo, a pessoa toma decisões analíticas para o longo prazo e há trabalhadores que respondem ao gestor, como subordinados.

O líder é uma pessoa com a capacidade de ter a visão do todo, de mobilizar pessoas e de mobilizar projectos, diz Santos. "Eu posso liderar um grupo de pessoas sem ter um cargo de gestão", complementa.

E é nessa diferença que reside uma armadilha. "A pessoa é óptima técnica e é transformada em gestora. Só que, com isso, vêm outras obrigações. "Muitas vezes, nesse processo, perde-se um excelente profissional, porque faltam as habilidades necessárias de gestão." Quais são essas habilidades? O que se espera de um gestor?

  1. Saber delegar funções. Vais precisar de largar a ideia de trabalhar sozinho. E delegar com responsabilidade, ou seja, fazendo um acompanhamento para ver se o outro profissional tem as ferramentas necessárias para entregar resultados, diz Paula Esteves.
  2. Lidar com pessoas. Saber influenciar profissionais a alcançarem resultados, aponta Esteves. "É a capacidade de motivar, fazer com que as pessoas entendam e vejam o resultado do trabalho delas."
  3. Comunicação. Comunicar os desafios, os pedidos, os resultados e estar em constante contacto com muitas pessoas, exemplifica a co-CEO da Cia de Talentos.
  4. Administrar números. Tomar decisões baseadas numa análise de dados e resultados, explica Victor Martinez. A rotina inclui avaliar quais recursos, orçamento e pessoas estão disponíveis para os projectos.

Não é para ti? Explico por que não é o fim do mundo optar por uma carreira diferente.

E se eu decidir não ser chefe?

Depois de cinco anos a trabalhar como coordenadora, Fernanda Costa Ferreira recebeu uma proposta: assumir uma equipa ainda maior. Ela coordenava nove pessoas e passaria a ter 25 profissionais sob a sua alçada.

Mas a experiência de ser chefe não era fácil. Ela não estava feliz. Decidiu, então, recusar a proposta, deixar a empresa na qual trabalhava há 15 anos e foi atrás de uma mudança de carreira. Licenciada em Direito, tornou-se especialista em projectos e normativas. '"Gosto da carreira a solo, ser gestora do meu próprio trabalho, cuidar das minhas entregas, prazos, sem precisar ser responsável por outras pessoas", explica. Aos 41 anos, fez um intercâmbio, está a terminar um MBA e a escrever um livro.

Todos os especialistas com quem conversei para este artigo confirmaram: há outras possibilidades de carreira além da gestão. E, nelas, é possível alcançar tanto (ou até mais) sucesso.

Mostro a seguir algumas possibilidades quando falamos em plano de carreira:

  • Carreira em Y: em algum momento, precisas de tomar a decisão de tornar-te especialista numa área ou seguir uma carreira de gestão/administrativa.
  • Carreira em W: não abres mão da especialização. Exemplo: "Posso tornar-me gestor de projecto, mas ainda com um viés técnico muito forte, como uma referência dentro da minha área, na minha empresa", diz Leila Santos. É preciso ter uma visão sistémica, perceber o negócio, explica a especialista. "Esta pessoa precisa de proactividade, vontade de estudar, de aprofundamento. Isso não é para todos."
  • Carreira em T: é uma carreira generalista, mas com um aprofundamento específico. Exemplo: um profissional de RH que entende todos os subsistemas da área (recrutamento e selecção, desenvolvimento, remuneração...), mas escolhe algum deles para se especializar. "É um profissional que é muito desejado pelo mercado, pela facilidade que tem de navegar dentro das áreas que envolvem o tema onde ele é capacitado", complementa Santos.

Ou seja: podes optar por uma carreira de gestão, caso queiras. Mas especializares-te para seres uma referência em algum tema ou área também é uma forma de crescer profissionalmente.


Exclusivo PÚBLICO/ Folha de S. Paulo

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