De sonho e de pó

Entrou na banheira, recostou a cabeça e fechou os olhos. Assustou-se quando sentiu uma mão a deslizar-lhe pelo braço.

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Uma pessoa precisa de sentir que a sua língua entra em casa, leu a São, no mais recente livro do seu escritor preferido, intitulado Gisele e três quartos. O livro começa com a personagem principal, Gisele, a contratar um sicário para acabar com a vida de um dos seus amantes, um jovem com menos vinte anos do que ela. Tomou essa decisão por despeito, por ele a amar perdidamente pela sua inteligência e sentido de humor em vez de a desejar apenas carnalmente ou sobretudo carnalmente, pelas suas ancas, pelos seus lábios, pelas suas coxas, pelos seus olhos e pelo modo passional e diluvial como usava concertadamente todos estes elementos. Gisele encheu a banheira, deitando na água flores de jasmim, violetas secas e sais comprados num bazar de Biblos, dizendo ao amante que se despisse e esperasse por ela. Porém, quem haveria de tomar banho com ele seria a morte, que chegou equilibrada na ponta de uma adaga empunhada por um assassino druso. A São interrompeu a leitura porque se lembrou de nunca ter conseguido dar banho à filha, quando a Ana era bebé, com medo de fazer algo de errado e que ela se desfizesse entre as suas mãos como acontecera com a sua boneca de papel. Sem se dar conta, enquanto pensava nisto, fazia os gestos de quem dá banho a um recém-nascido.

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