Rússia acusada de execuções e detenções arbitrárias de civis nos territórios ocupados
Relatório da ONU dá conta de um “clima de medo” nas regiões controladas pelas forças russas na Ucrânia após a invasão. Pelo menos 26 civis terão sido executados e outros 30 mortos em detenção.
Nos territórios ucranianos ocupados pela Rússia vive-se um “clima de medo”, em que a ameaça de violência e repressão é constante, de acordo com um relatório das Nações Unidos divulgado nesta quarta-feira.
Sem conseguir aceder aos territórios ocupados e controlados pela Rússia — na Crimeia e nas províncias de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjjia —, a Missão de Monitorização dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia baseou-se em mais de dois mil testemunhos de pessoas a viver ou que viveram sob ocupação das forças russas ao longo dos últimos dois anos.
“As acções da Federação Russa romperam o tecido social de comunidades e deixaram as pessoas isoladas, com consequências profundas e prolongadas para a sociedade ucraniana como um todo”, afirmou o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, citado pela AFP.
Os depoimentos indicam um quadro de grande violência sobre a população civil, sujeita a um processo acelerado de assimilação forçada por parte das autoridades russas. “Muitas pessoas a viver sob ocupação suportaram intimidação e repressão, enfrentando ameaças constantes de violência, detenção e punição”, conclui o relatório a que a Reuters teve acesso.
Moscovo rejeita desde sempre as acusações de violações dos direitos humanos da população civil nos territórios ocupados e nega que a ocupação seja ilegal — foram organizados “referendos” nestas regiões, embora sem qualquer validade legal nem reconhecimento a nível internacional. No último fim-de-semana, os habitantes das zonas ocupadas foram chamados a votar nas eleições presidenciais russas.
Os autores do relatório identificam várias fases do processo de ocupação russa no que diz respeito ao impacto sobre a população civil. O período inicial foi o mais violento e ficou marcado por execuções, tortura e detenções arbitrárias de qualquer pessoa identificada com as forças ucranianas ou simplesmente com simpatia por Kiev.
Pelo menos 26 civis, incluindo duas crianças, terão sido executados pelas forças militares russas, de acordo com os relatos recolhidos pela missão da ONU, sobretudo durante os primeiros meses após a invasão em larga escala. Outras 30 pessoas terão morrido durante o período em que estiveram presas.
O relatório também dá conta de uma grande quantidade de casos de tortura e violência sexual contra pessoas detidas. A missão “recebeu relatos credíveis e fiáveis sobre o tratamento dado a 171 civis detidos e concluiu que 90% foram torturados ou maltratados”, diz o documento.
“As Forças Armadas russas, as forças de segurança e as autoridades penitenciárias recorrem a vários tipos de violência: espancamentos, pontapés, cortes, colocação de objectos afiados debaixo das unhas, simulação de afogamento, execuções fingidas e aplicação de choques eléctricos”, descreve o relatório.
Os investigadores também descobriram pelo menos 16 casos de violência sexual contra civis que não estavam detidos, quase todos mulheres.
As prisões arbitrárias inicialmente tinham como alvo os cidadãos ligados às forças de segurança ucranianas, mas aos poucos foram-se estendendo a qualquer pessoa que sinalizasse algum tipo de oposição à ocupação. Foram reportados 687 casos de detenção arbitrária até ao fim do ano passado, incluindo oito menores.
Seguiu-se uma fase em que as liberdades de movimento, reunião e expressão foram fortemente restringidas e, posteriormente, a imposição dos instrumentos de governação pela Rússia, como mudanças no sistema legal, nas instituições públicas, moeda e a obrigação de obtenção de passaporte russo para quem quisesse aceder a vários serviços, incluindo arrendar casa, por exemplo. Nas escolas, os programas foram substituídos e o idioma passou a ser exclusivamente russo.
As autoridades russas incentivam os cidadãos a denunciarem actividades suspeitas de pessoas que conheçam e foram até criadas plataformas online para esse efeito. As comunicações entre pessoas que vivem em zonas ocupadas e quem viva nas regiões controladas por Kiev foram praticamente cortadas, impedindo a reunião de familiares.
“As acções combinadas de censura, vigilância, opressão política, repressão da liberdade de expressão, restrições ao movimento (…) criaram um clima de medo que permite que a Federação Russa possa desmantelar de forma sistemática os sistemas ucranianos de governação e administração”, disse à Reuters a chefe da missão, Danielle Bell.