Lixo electrónico não pára de crescer: em 2022 geraram-se 62 milhões de toneladas

Desde 2010, o lixo eléctrico e electrónico produzido no mundo aumentou 2,3 milhões de toneladas anualmente. Já a reciclagem está cada vez mais longe de responder a esta produção, mostra relatório.

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Um conjunto de máquinas de lavar roupa para a reciclagem ANTÓNIO PEDRO SANTOS/Lusa
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Num mundo cada vez mais ligado ao universo digital, industrializado e com mais gente, não será surpreendente que os resíduos eléctricos e electrónicos (REE) estejam em ascensão. É precisamente isso que mostra um novo relatório publicado nesta quarta-feira: em 2022 foram produzidos 62 milhões de toneladas de REE. Para transportar todo aquele lixo de uma só vez, seria necessária uma fila de 1,55 milhões de camiões, cada um deles carregando 40 toneladas de entulho – seria uma caravana quase capaz de circular a linha do Equador.

Produzido por duas instituições da Organização das Nações Unidas, a União Internacional de Telecomunicações (UTI, sigla em inglês) e o Instituto das Nações Unidas para a Formação e Investigação (Unitar, sigla em inglês), O Registo Global de Resíduos Electrónicos 2024 mostra que houve um aumento de 82% de REE face a 2010, quando foram produzidos 34 milhões de toneladas de REE. Ou seja, houve um aumento anual de 2,3 milhões de toneladas deste tipo de lixo.

Uma conclusão importante do relatório é que, ao longo daqueles 12 anos, a capacidade de recolher e reciclar como deve ser aquele material ficou muito aquém das necessidades reais da produção de resíduos e das necessidades de matérias-primas para novas indústrias, como a das energias renováveis. Em 2022, apenas 22,3% dos resíduos – 13,8 milhões de toneladas – foi alvo de uma recolha e de uma reciclagem própria.

“A recolha e a reciclagem formal documentada também subiram, crescendo de oito milhões de toneladas em 2010 a um ritmo médio de 0,5 milhões de toneladas por ano. O aumento de lixo electrónico gerado está, por isso, a ultrapassar o aumento de reciclagem formal por um factor de quase cinco”, refere Nikhil Seth, director executivo da Unitar, no prefácio do documento. Dito de outro modo, se em 2010 ficaram 26 milhões de toneladas de REE por tratar e reciclar devidamente, em 2022 esse número subiu para 48,2 milhões de toneladas.

Parte significativa do material – 34 milhões de toneladas – foi tratada em sistemas de reciclagem paralelos e informais. Outros 14 milhões de toneladas foram directamente para aterros. Isto não só significa que houve muito material desperdiçado, como metais raros, mas também que 58.000 quilos de mercúrio e 56 milhões de quilos de plástico contendo retardadores de chama bromados – compostos usados em vários tipos de materiais, que inibem ou atrasam a ignição daqueles materiais quando ocorrem incêndios – foram libertados para o ambiente, o que “tem um impacto directo e severo no ambiente e na saúde das pessoas”, segundo o documento.

Há ainda a questão de todas as substâncias usadas para a refrigeração em frigoríficos, congeladores e aparelhos de ar condicionado, que não terão sido tratadas correctamente e se esvaíram para a atmosfera, onde passam a alimentar o efeito de estufa. Segundo os cálculos do relatório, se os REE fossem tratados correctamente, seria possível evitar o efeito de 41 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2E) vindos daqueles refrigerantes. Por outro lado, ao aproveitar-se os metais que estão nos REE, evitar-se-ia a libertação de outros 52 milhões de toneladas de CO2E emitidos durante o processo de mineração de novos metais. Ainda do ponto de vista da Terra, ao evitar-se nova mineração, evitar-se-ia também o impacto ambiental dessa actividade.

Mas aquelas contas também se traduzem em benefícios económicos. “Estamos neste momento a deitar fora 83,95 mil milhões de euros em metais valiosos devido à insuficiente reciclagem de resíduos electrónicos. Temos de agarrar os benefícios ambientais e económicos da gestão correcta destes resíduos”, avança Vanessa Gray, responsável da ITU, num comunicado oficial.

Um mundo desigual

Os REE são uma categoria que agrega vários tipos de objectos numa colecção que vai crescendo à medida que o universo electrónico e digital se expande. São considerados REE os frigoríficos, os aparelhos de ar condicionado, as televisões, os monitores, os computadores, os portáteis, os iPad, todo o tipo de lâmpadas, as máquinas de lavar e secar roupa e loiça, as impressoras, os painéis solares, os fornos eléctricos, as torradeiras, as calculadoras, os rádios, os microondas, as câmaras fotográficas, as câmaras de vídeo, os brinquedos eléctricos e electrónicos, os cigarros electrónicos, os telefones, os telemóveis, os routers, entre muitos outros objectos.

Em 2022, a produção média a nível mundial de REE por pessoa foi de 7,8 quilos, de acordo com o documento. Como todas as médias, este número não traduz discrepâncias, nem desigualdades ou as várias realidades do planeta. Enquanto cada cidadão na Noruega foi responsável por 26,8 quilos de lixo electrónico, na Somália, no Níger e no Malawi, três países africanos, cada cidadão não produziu mais do que 0,5 quilos de REE.

A Europa foi o continente que mais produziu lixo electrónico por pessoa, embora também tenha sido o que mais reciclou em termos relativos. Em 2022, foram colocados no mercado europeu (que inclui a Rússia) 14 milhões de toneladas de equipamento eléctrico e electrónico (EEE) e produziram-se 13 milhões de REE. Destes, 42,8% foi correctamente recolhido e reciclado. Cada cidadão europeu produziu em média 17,6 quilos de resíduos. Portugal esteve pouco acima da média, com a produção de 17,8 quilos de resíduos por pessoa. No entanto, metade de todo o lixo produzido veio dos países asiáticos: 30 milhões de toneladas.

O relatório mostra também que começa a haver uma mudança na dinâmica de uso destes equipamentos. “Há um aumento de REE que está a ser vendido pela primeira vez em países em desenvolvimento; no entanto, muito do equipamento é usado originalmente em países desenvolvidos e enviado para continuar a ser usado a preços relativamente mais baixos”, avança Nikhil Seth.

Uma grande preocupação que transparece no relatório é o crescimento da quantidade de REE produzidos anualmente e a incapacidade de eles serem reciclados. Se a tendência actual continuar, prevê-se que em 2030 sejam produzidos 82 milhões de toneladas de REE e apenas 20% seja reciclada correctamente. Dos 195 países do mundo, apenas 81 tinham em 2023 legislação para tratar dos REE.

O “progresso tecnológico, o aumento do consumo, as opções limitadas de reparação [dos objectos], os ciclos de vida mais curtos, a expansão electrónica da sociedade, as limitações do design, as infra-estruturas de gestão de resíduos electrónicos inadequadas” são desafios que podem contribuir para a cada vez maior diferença entre a produção de resíduos e a sua reciclagem, alerta-se no comunicado.

A transição energética e a necessidade de painéis fotovoltaicos são uma nova frente do problema. A fatia de lixo electrónico vindo daquele sector pode passar de 0,6 milhões de toneladas em 2022 para 2,4 milhões de toneladas em 2030, de acordo com a estimativa do relatório. Apesar “de a adesão aos painéis solares e ao equipamento electrónico trazer esperança no combate à crise climática e impulsionar o progresso digital, a emergência destes resíduos electrónicos exige uma atenção urgente”, afirma Nikhil Seth.