Empresário Manuel Serrão e jornalista Júlio Magalhães alvos de buscas da PJ

Em causa uma investigação relacionada com o recebimento de 38,9 milhões de euros do FEDER. Presidente do Compete, que tem a maior fatia do envelope de fundos europeus para empresas, também é suspeito.

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O jornalista do Observador Júlio Magalhães e o empresário Manuel Serrão são dois dos suspeitos "da prática dos crimes de fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal qualificada, branqueamento e abuso de poder" MIGUEL A. LOPES
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A Polícia Judiciária (PJ) está a realizar 78 buscas em todo o país no âmbito de uma investigação relacionada com o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), avançou a CNN e o PÚBLICO confirmou. Entre os alvos estão Manuel Serrão, empresário e conhecido comentador televisivo afecto ao FC Porto actualmente na CMTV, e o jornalista Júlio Magalhães.

Entre os suspeitos figura também o presidente do Compete, Nuno Mangas, que foi alvo de buscas. Mangas já foi presidente do Iapmei, cargo que assumiu em 2018, durante o mandato de Pedro Siza Vieira no ministério da Economia. De lá saiu no final de 2020, para a liderança do Compete, que é o órgão de gestão do programa temático dedicado às empresas. Nessa função, era responsável pela gestão operacional do Programa Operacional Temático Competitividade e Internacionalização, durante o anterior quadro plurianual de financiamento europeu, Portugal 2020.

Em 2023, Mangas viria a ser reconduzido à frente do Compete, agora na sua versão Portugal 2030, em que o mesmo programa temático se passou a designar Programa Temático Inovação e Transição Digital, mas, assumindo a herança do Compete 2020, ficou abreviadamente como Compete 2030. A recondução aconteceu já no mandato do actual ministro da Economia, António Costa Silva. Mangas foi o único a "sobreviver" à substituição de dirigentes promovida por Costa Silva nas entidades da Economia mais ligadas às empresas.

O Compete 2030 tem o envelope mais volumoso dos 12 programas que integram o Portugal 2030. Também é aquele que mais directamente distribui fundos de coesão para investimento em projectos de empresas. Ao todo, terá uma dotação de 3905 milhões de euros, dos quais a principal fatia (3505 milhões) vem do FEDER.

Em comunicado, a Polícia Judiciária diz que estão em causa "fortes suspeitas da prática dos crimes de fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal qualificada, branqueamento e abuso de poder" nesta operação, que baptizou como Maestro.

"Através de 14 projectos co-financiados pelo FEDER, executados entre 2015 e 2023, os suspeitos lograram obter, até ao momento, o pagamento de incentivos no valor global de, pelo menos, 38,9 milhões de euros", revela a mesma nota informativa, adiantando que da investigação em curso resultaram ainda fortes suspeitas do comprometimento de funcionários de organismos públicos, com violação dos respectivos deveres funcionais e de reserva.

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Manuel Serrão dirige a Associação Selectiva Moda, criada há 30 anos Nelson Garrido (arquivo)

Estes funcionários - alguns dos quais a trabalharem no Compete - eram fulcrais na agilização de procedimentos relacionados com as candidaturas e nos pedidos de pagamento, ajudando assim na gestão dos projectos co-financiados. Tratando-se de fundos de coesão, as verbas do Compete destinavam-se a todas as regiões NUT II do Continente (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve), mas com ênfase para as que, no critério europeu, são consideradas economicamente menos desenvolvidas (Norte, Centro e Alentejo).

A Judiciária fala na criação de estruturas empresariais complexas, visando a montagem de justificações contratuais, referentes a prestações de serviços e fornecimentos de bens para captação fraudulenta de fundos comunitários, na sua maioria, no quadro do Compete 2020.

Buscas alargadas à AICEP

A cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, com o apoio do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República, a Operação Maestro desenvolveu-se na área metropolitana de Lisboa, na área metropolitana do Porto, na região de Aveiro e na da Guarda. A AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal foi outra das entidades buscadas.

No centro das suspeitas está a Associação Selectiva Moda, criada há 30 anos e dirigida por Manuel Serrão, que tem o poder de aprovar, dentro dos quadros comunitários, projectos de empresas financiados pela União Europeia com vista à promoção nacional e internacional da indústria têxtil e do vestuário. É no apoio às empresas do sector, por ligação à associação, que entram os financiamentos do FEDER, sublinha a CNN.

A associação é constituída pela Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e pela Associação Nacional da Indústria de Lanifícios, tendo participado ao longo destas três décadas em vários certames internacionais de moda e promovido múltiplas iniciativas, como um festival de cinema e um concurso de fotografia. A Selectiva Moda organiza ainda o principal salão têxtil português, o Modtíssimo. Tanto este como outros eventos desenvolvidos pela associação estão sob escrutínio das autoridades. Há informação de que, só em 2023, a Associação Selectiva Moda recebeu a aprovação de fundos para quatro projectos cujo valor total superou os 26 milhões de euros, no âmbito do Programa Operacional da Competitividade e Internacionalização.

Igualmente alvo de buscas foi uma publicação dedicada ao sector têxtil e dirigida também por Manuel Serrão, o T Jornal, propriedade da associação têxtil e co-financiada pelo Compete. Júlio Magalhães é um dos seus redactores, sendo o comentador desportivo apresentado aos leitores como "o maestro".

Porém, na mira na investigação também está a Associação para a Promoção da Gastronomia, Vinhos, Produtos Regionais e Biodiversidade (AGAVI) que terá recebido fundos para projectos que visavam promover a gastronomia de Portugal nos mercados internacionais, no sentido de criar valor e novas oportunidades para o aumento da expansão e exportação de produtos portugueses.

House of Learning nas mãos de Júlio Magalhães

Ao que o PÚBLICO apurou, Manuel Serrão foi sócio de António de Sousa Cardoso, presidente da AGAVI, numa empresa com o nome House of Learning - Educação, Formação e Consultoria. Esta empresa viria a passar para as mãos de Júlio Magalhães e outros sócios em 2021. No entanto, Manuel Serrão detém 5% da AGAVI através de uma empresa da qual é sócio, a No Pimples.

Esta empresa dedica-se a tudo e mais alguma coisa: compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento de bens imóveis; administração de imóveis por conta de outrem; promoção imobiliária; organização, promoção e realização de eventos. No cardápio de actividades da No Pimples inscrevem-se também as actividades agrícolas, silvícolas e vitícolas, bem como a exploração e gestão de estabelecimentos turísticos, incluindo no espaço rural, hoteleiros e de restauração. Mas não é só: consultoria, formação, apoio, criação, incentivo e desenvolvimento empresarial são outras das actividades elencadas, a par de serviços de consultoria e formação em exploração imobiliária e turismo, da prestação de serviços de assistência técnica a projectos de investimento e, finalmente, da reorganização de empresas e estudos de mercado e de produto.

António Cardoso, presidente da AGAVI - também chegou a ser sócio de Manuel Serrão nesta última empresa.

O inquérito pertence ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que envolveu nesta operação 250 inspectores, 32 peritos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática e 24 peritos da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística, bem como vários juízes de instrução e procuradores. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar Manuel Serrão e Júlio Magalhães. Também foi infrutífera a tentativa de contacto telefónico com Nuno Mangas.

O órgão de gestão Compete reagiu às notícias em comunicado, citado pela Lusa. Garante estar “a colaborar” nos procedimentos policiais em curso no âmbito da Operação Maestro, assumindo o seu “compromisso com a gestão rigorosa e transparente” dos fundos públicos.

“O Compete desconhece os contornos da investigação e está a colaborar com as autoridades”, lê-se, de acordo com a mesma agência. Assegura estar “totalmente disponível para prestar todas as informações e o apoio necessário para o bom andamento da investigação” e reiterando o seu “compromisso com a gestão rigorosa e transparente dos fundos públicos”.

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