Narcóticos Anónimos: mudam as drogas, mantém-se a adicção
A 30.ª Convenção Nacional da Associação Narcóticos Anónimos reúne, em Julho, no Pavilhão Multiusos de Gondomar, os cerca de 140 grupos activos de recuperação de ex-toxicodependentes.
V. não consome drogas há 28 anos. Mas está convencido do seguinte: o perfil do consumidor pode ter vindo a alterar-se em função do surgimento de novas substâncias, mas a adicção é a mesma. Como gosta de dizer este ex-toxicodependente, “é a velha história de quem nasceu primeiro: a galinha ou o ovo? A nossa concepção é que a adicção é que está na base”, diz o coordenador da estrutura europeia dos Narcóticos Anónimos (NA). “Ou seja, nós usamos drogas porque somos adictos e não o contrário. Nós não somos adictos porque usamos droga.”
“Quando entrei nos NA, o perfil mais frequente era o do heroinómano ou do cocainómano. Entretanto, o espectro de drogas evoluiu enormemente e, realmente, aparecem pessoas de todo o tipo a consumir coisas que nós nem conhecemos, nem sabemos o que são”, observa. “Mas, sinceramente, às vezes, são iguais ou piores do que qualquer heroinómano do meu tempo.”
Novas substâncias e novos consumos exigem que os Narcóticos Anónimos se adeqúem a essas mudanças. Mas para quem trabalha na recuperação de consumidores de droga segundo a lógica dos NA, o que mais importa, “independentemente daquilo que se consumiu, o estado a que se chegou, o ponto a que se chegou — é exactamente igual ao de que se fosse um heroinómano, estacionasse carros ou estivesse preso —, é a pessoa conseguir dar o primeiro passo”.
O que diz o primeiro dos 12 passos que constituem as regras e programa de recuperação dos NA é este: “Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que tínhamos perdido o domínio sobre as nossas vidas.”
V., que prefere que o seu nome permaneça no anonimato, de acordo com os princípios da organização, é também o coordenador da 30.ª Convenção Nacional da Associação Narcóticos Anónimos, marcada para os dias 5, 6 e 7 de Julho, no Pavilhão Multiusos de Gondomar. Estas convenções destinam-se a reunir os cerca de 140 grupos que mantêm reuniões regulares de auto-ajuda e funcionam como celebração de uma vida sem adicções.
Nestes eventos, que decorrem com regularidade, com excepção nos anos de pandemia, costumam participar entre 500 e 600 pessoas, que V. calcula serem um terço do total de pessoas que possuam níveis de adicção mais elevados e que se encontram em fase de recuperação. Não se conhece, no entanto, o número preciso de membros dos NA, uma vez que o anonimato é uma questão fulcral do processo e de funcionamento da organização e, portanto, não existem registos das adesões.
Em Portugal, a organização divide-se por grupos e estes dividem-se por oito áreas do território nacional. Existe uma estrutura nacional, mas não corresponde a uma entidade hierárquica, isto é, não se trata de uma estrutura de poder.
Na lógica dos NA, a principal responsabilidade recai sempre nos grupos de base. A prática, segundo afirma V., é que cada um dos grupos organize uma reunião semanal e que, quando estes se desenvolvem e crescem, se organizem por áreas e regiões.
“Normalmente, os grupos reúnem-se, localmente, em áreas e as áreas reúnem-se por regiões. O crescimento ou diminuição dos grupos diz-nos um pouco como é que as coisas estão a evoluir”, afirma. Isto, para dizer que o número de grupos tem vindo a aumentar no Grande Porto, por exemplo, após o fim da pandemia, durante a qual as reuniões eram por via remota, saltando de menos de 20 para os 26. São 60 mil os grupos em actividade no mundo inteiro.