Ocidente unânime na denúncia da vitória de Putin: “Uma eleição sem escolha”

Governos europeus questionam legitimidade democrática das eleições presidenciais russas que o actual Presidente venceu com quase 90% dos votos. China e Índia querem estreitar laços com Moscovo.

Foto
Vladimir Putin obteve quase 90% dos votos nas presidenciais russas Reuters/Evgenia Novozhenina
Ouça este artigo
00:00
05:46

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Os governos ocidentais alinharam-se nesta segunda-feira nas críticas à legitimidade democrática das eleições presidenciais na Rússia que deram a Vladimir Putin um mandato de mais seis anos no poder com uma vitória esmagadora. De “uma eleição sem escolha” a “uma “operação eleitoral especial”, os quase 90% dos votos obtidos pelo Presidente russo foram postos em causa nas declarações dos chefes da diplomacia europeia, antes de uma reunião ministerial em Bruxelas.

O alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell, antecipou o conteúdo de uma declaração conjunta dos 27 sobre as eleições presidenciais russas. “Estas não foram eleições livres e justas”, afirmou, lembrando que o escrutínio não foi observado por nenhuma organização internacional credível e que o “ambiente” em que decorreu a campanha e a votação foi “altamente restritivo”.

“As eleições foram baseadas na repressão e na intimidação”, prosseguiu, lamentando ainda a abertura de mesas de voto nos territórios ucranianos anexados e ocupados da Ucrânia — mais uma “violação da soberania” desse país, apontou Borrell.

“A eleição russa foi uma eleição sem escolha”, afirmou a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, enquanto o seu homólogo francês, Stephane Sejourne, comparou a legitimidade das eleições com a justificação utilizada por Moscovo para a invasão da Ucrânia em Fevereiro de 2022.

“Tomamos nota da operação eleitoral especial”, ironizou o chefe da diplomacia francesa, para quem “as condições para a realização de eleições livres, pluralistas e democráticas não foram cumpridas.”

Já o ministro português dos Negócios Estrangeiros destacou o “aspecto acrescentado de ilegalidade nas províncias ucranianas, onde as autoridades ocupantes realizaram eleições”.

“Não devemos dignificar este acontecimento com o nome de eleições. Eleições aconteceram em Portugal no dia 10 de Março e acontecem nos países democráticos. Aquilo que aconteceu na Rússia não tem dignidade para merecer esse nome”, disse João Gomes Cravinho.

Um grupo russo independente de monitorização das eleições russas disse nesta segunda-feira que a eleição presidencial que Vladimir Putin venceu com 87,27% dos votos foi a mais fraudulenta e corrupta da história do país.

O Golos (Voz, em português), organismo que em 2013 foi considerado pelas autoridades russas como um “agente estrangeiro”, afirmou, através de um comunicado, que as eleições de três dias que terminaram no domingo não podem ser consideradas genuínas porque “a campanha decorreu numa situação em que os artigos fundamentais da Constituição russa, que garantem os direitos e liberdades políticas, não estavam essencialmente em vigor”.

Na mesma linha, o editor de dados do jornal independente Novaya Gazeta acusou as autoridades de fraude eleitoral. “A nossa primeira estimativa estatística das ‘eleições’: cerca de metade dos votos em Putin podem ter sido falsificados”, escreveu Arnold Khachaturov na rede social X.

Nos países bálticos, vizinhos da Rússia, as reacções foram, naturalmente, de condenação de um acto que, como referiu o chefe da diplomacia da Lituânia, não podem chamar uma eleição”.

“É um procedimento que supostamente se assemelha a uma eleição, alguns podem chamar-lhe uma renovação sem qualquer legitimidade”, afirmou Gabrielius Landsbergis, notando que só “as pessoas que estão fora da prisão política que é a Rússia foram capazes de exprimir as suas opiniões”. Segundo o ministro, dos russos que votaram na Lituânia, “só 3% votaram em Putin, os outros decidiram ou inutilizar o boletim ou escolheram outro candidato”.

“É muito claro que estas eleições não têm qualquer legitimidade democrática. Mostram que a Rússia vai manter o rumo que teve nos últimos 20 anos, por isso a guerra que lançou contra a Ucrânia há mais de dois anos, agora que Putin vai ficar no poder, não vai mudar”, afirmou, por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Krisjanis Karins.

Fora da União Europeia, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico afirmou que o resultado das eleições pôs em evidência a “profundidade da repressão” na Rússia. “Putin elimina os seus opositores políticos, controla os meios de comunicação social e depois coroa-se a si próprio como vencedor. Isto não é democracia”, afirmou David Cameron.

Nos EUA, logo no domingo, após o encerramento da votação, um porta-voz da Casa Branca afirmou que as eleições russas “não foram, obviamente, livres e justas”.

China felicita Putin

Em claro contraste com a unanimidade ocidental, o Presidente chinês, Xi Jinping, felicitou Vladimir Putin pela vitória e disse que Pequim manteria uma comunicação estreita com Moscovo para promover a parceria "sem limites" que acordaram em 2022, pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia.

“Acredito que, sob a sua liderança, a Rússia será certamente capaz de alcançar maiores conquistas no desenvolvimento e construção nacionais”, disse Xi a Putin na sua mensagem, citada pela agência estatal Xinhua.

O mesmo tom ficou expresso na declaração do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que manifestou o desejo de reforçar a “parceria estratégica especial e privilegiada” de Nova Deli com Moscovo.

O líder norte-coreano, Kim Jong-un, e o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, acusados pelo Ocidente de fornecer armas à Rússia, também felicitaram Putin, sublinhando o seu desejo de expandir ainda mais as relações bilaterais com Moscovo.

Em África, onde o Ocidente tem lutado para obter apoio para os seus esforços de isolamento de Moscovo devido à guerra na Ucrânia, alguns jornais viram a reeleição de Putin como uma garantia do reforço da posição russa em nações como o Burkina Faso, Mali e Níger.

Estes três Estados da região do Sahel estreitaram os laços com a Rússia na sequência de golpes de Estado nos últimos anos, em detrimento dos seus tradicionais aliados franceses e norte-americanos.

“Em África, esta reeleição poderia parecer um não-acontecimento, mas dado o contexto do Sahel, assume um significado particular, porque Putin encarna o novo equilíbrio geopolítico de poder no continente, com uma presença e influência crescentes”, escreveu o diário Aujourd’hui au Faso. com Rita Siza

Sugerir correcção
Ler 13 comentários