Quando o técnico social é mais pobre do que aqueles a quem presta o seu serviço

Não sou contra os subsídios, sou contra subsídios mascarados de ordenados para qualquer classe trabalhadora em Portugal.

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O técnico social é o ilustre pobre no meio dos pobres e, por vezes, ainda mais pobre daqueles a quem presta o seu serviço. Não faltará muito para nos candidatarmos à habitação social e sermos vizinhos dos nossos utentes. Chegará o tempo em que o assistente social terá o seu assistente social.

Sim, temos possivelmente mais competências, vimos de contextos sociais e familiares mais favorecidos, mas, por quanto tempo vamos aguentar sermos os pobres ilustres no meio dos pobres? Sim, um técnico social, não raras vezes, tem menor liquidez mensal daqueles a quem presta auxílio. Regra geral, os técnicos da área social são constituídos por psicólogos/as, assistentes sociais e educadores/as sociais, não esquecendo os/as imprescindíveis auxiliares de ação direta.

Os primeiros são varridos a 1000 e poucos euros, enquanto os auxiliares ficam 200 ou 300 euros abaixo. A culpa não é nem das autarquias, nem das instituições. A culpa é nossa porque precisamos de trabalhar e somos “mais do que as mães”. Quando há muitos/as disponíveis para fazer algo, a desvalorização do cargo emerge, pagando-se qualquer coisa acima de mil euros (uns trocos mais para ir à churrasqueira) porque somos doutores com cinco anos de faculdade, apesar de estarmos nas trincheiras, na linha da frente da ação social.

De facto, os trabalhadores que fazem diferença direta na população mais vulnerável são, amiúde, mais pobres do que aqueles que assistem, tenho de repetir este refrão. Mudar um país inicia-se com a mudança de mentalidades, com a educação, portanto. E os técnicos sociais têm uma ação educativa crucial. Além de facilitarem o contacto da população desfavorecida com os parceiros da rede social e os seus apoios (formação, emprego, saúde, habitação, doações), são estes os técnicos que, quando necessário, confrontam as pessoas com a realidade disfuncional e não-contributiva em que vivem e que tentam fazê-las ver as más decisões que têm tomado, tentando, por exemplo, salvar as crianças e jovens de percursos disfuncionais.

São estes os técnicos que estão a tentar mudar o país dos pobres, mas os projectos financiados, nacionais ou europeus, não contemplam ordenados dignos (nem contratos de trabalho seguros) para a exigência da função. São os técnicos que mudam vidas (ou tentam) mas também aqueles que levam com insultos, ameaças, pulgas, piolhos, seringas, dejetos, entulho, tuberculose, sarna, percorrem travessas dantescas e muito mais cinematografia terrorífica se poderia aqui explorar.

Quando esta bizarra inversão de poder de compra acontece, há que parar e perguntar em que país vivemos. Às vezes, constatamos, que temos menor liquidez mensal do que pessoas que assistimos em situação de sem-abrigo. Não, não é piada, metáfora ou exagero; é fazer as contas, como diria António Guterres. Basta ter contas generalíssimas para pagar, sem luxos, nem caprichos. Basta pensar em pagar 600 euros por um modestíssimo apartamento e pagar as contas que toda a gente tem de pagar.

Uma família em habitação social tem um poder de compra muito superior, mesmo com salários mínimos ou até, nalgumas vezes, em situação de desemprego. Quando calculamos a capitação de um agregado familiar apoiado socialmente, constatamos, frequentemente, maior capacidade económica do que nós, técnicos. É ciúme ou inveja? Não. Não queremos que os pobres continuem pobres para nos sentirmos melhor. Queremos que deixem de ser pobres (e não apenas no sentido literal e financeiro do termo), assim como almejamos, muito justamente, não sermos os pobres letrados.

Não sou contra os subsídios, sou contra subsídios mascarados de ordenados para qualquer classe trabalhadora em Portugal. Portanto, esta não é apenas a realidade dos técnicos sociais, esta é a realidade da maioria dos portugueses. Os pobres somos todos, afinal, os que precisam de apoio social e aqueles que os executam no terreno. Afinal, trabalhamos para, pelo menos, não sermos pobres de espírito, por convicção ou dignidade, ou para não estarmos do lado de quem estende a mão mas de quem a dá: mas, no fim, somos iguais ou menores, apesar de termos dado o corpo às balas. Valha-nos o 10 de Junho e as medalhas que nos esperam.

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