Oposição russa tenta superar a orfandade de Navalny

A morte de Navalny enfraqueceu o já frágil e vulnerável movimento de oposição a Putin. Arredada das eleições, resta-lhe organizar protestos simbólicos.

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Homenagens a Navalny multiplicaram-se em toda a Rússia após a sua morte Reuters/Stringer
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Alexei Navalny era visto há já alguns anos como o grande representante da oposição ao regime de Vladimir Putin, mas a verdade é que nunca conseguiu participar em eleições presidenciais para desafiar directamente o chefe de Estado. Mesmo que não tivesse morrido tragicamente no mês passado, Navalny não voltaria a figurar nos boletins de voto nas eleições deste fim-de-semana.

Um dos principais métodos usados pelo Kremlin para assegurar que o desfecho das eleições não foge ao seu controlo é o de excluir todos os possíveis candidatos que representem algum grau de ameaça. Navalny, que se celebrizou na denúncia do enriquecimento e da corrupção dos mais elevados dirigentes do regime, era há muito o inimigo número um.

Desde que Putin ascendeu ao poder, no início deste século, que os espaços para que uma oposição real se desenvolvesse se foram reduzindo até à total inexistência. Para muitos, a morte de Navalny, há cerca de um mês, numa colónia penal no Círculo Polar Árctico, representou o fim definitivo da esperança de uma mudança na política russa.

“Não é possível fazer oposição a Putin”, afirma a professora de Relações Internacionais da Universidade do Minho Sandra Fernandes, em declarações ao PÚBLICO. “A única forma de [Putin] sair do poder é morrendo, ou um golpe de Estado palaciano”, acrescenta.

Após a morte do activista político, coube à sua viúva, Yulia Navalnaya, assumir a liderança do movimento de oposição ao Kremlin. Em várias ocasiões ao longo do último mês, Navalnaya, que vive no estrangeiro, tentou galvanizar os críticos do regime para que não deixassem esmorecer a esperança num outro futuro para a Rússia, sem Putin.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma. Mas ainda tenho a outra metade e ela diz-me que não tenho o direito a desistir”, afirmou Navalnaya numa das várias mensagens de vídeo que foi divulgando nas últimas semanas.

A poucos dias das eleições deste fim-de-semana, Navalnaya apelou a que todos os russos que se opõem a Putin façam algum tipo de protesto durante a votação, seja votando noutro candidato, escrevendo o nome de Navalny no boletim ou organizando concentrações à mesma hora junto às assembleias de voto. Este tipo de estratégia era preconizado por Navalny para várias eleições como forma de contornar a ausência de uma verdadeira oposição.

Durante a primeira jornada eleitoral, na sexta-feira, houve relato de alguns incidentes em que eleitores atiraram tinta para dentro de urnas de voto. Mas é improvável que este tipo de acto tenha algum impacto político. “Esses protestos simbólicos têm muito pouco eco nos diferentes braços da elite russa, que está paralisada em volta de Putin e do seu regime”, diz ao PÚBLICO a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-Nova) Madalena Meyer Resende.

O Ocidente responsabiliza o Kremlin pela morte de Navalny, dividindo-se entre os que acusam o regime de o ter assassinado directamente e os que responsabilizam o Governo por tê-lo sujeitado a uma detenção injusta em condições extremamente duras, mesmo depois de o activista ter apresentado problemas de saúde.

Para os seus apoiantes, tê-lo ainda vivo, mesmo que preso, dava-lhes um alento difícil de replicar. “Sem Alexei, as coisas não serão como dantes”, lamentava um dos seus principais aliados, Leonid Volkov, num vídeo publicado no mês passado. [A partir da prisão, Navalny] conseguia apoiar-nos, contagiar-nos com optimismo, apresentar projectos e ter ideias políticas interessantes”, acrescentou o activista.

Resende entende a rede deixada por Navalny como “os resquícios de um movimento que teve alguma expressão e que foi decapitado”. “As poucas pessoas que se atrevem a demonstrar a sua simpatia por Navalny são dotadas de grande coragem, porque têm em cima da cabeça uma espada”, declara. A poucos dias das eleições, Volkov, que vive na Lituânia, foi atacado na própria casa por um homem com um martelo. Nem o exílio parece ser já uma opção totalmente segura.

Sandra Fernandes observa que, ao morrer, Navalny ganha um estatuto de “mártir”, algo que ficou patente nas grandes demonstrações públicas de pesar nos primeiros dias após a sua morte. “Mas penso que estamos muito longe de que isso se reverta na formação de um verdadeiro movimento de oposição.”

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