Ajuda chega pela primeira vez a Gaza por mar, mas situação “piora a cada minuto”

“Cabe a Israel provar que a fome não é usada como arma de guerra”, afirmou o primeiro-ministro belga, de visita ao Médio Oriente. Subnutrição infantil duplicou entre Janeiro e Fevereiro, avisa UNICEF.

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Distribuição de alimentos em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, junto à fronteira com o Egipto HAITHAM IMAD/EPA
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Um vídeo publicado no Instagram por um activista palestiniano e divulgado pela Al-Jazeera, que confirmou ter sido filmado em Rafah, mostra um menino aos gritos, do cimo de uma torre de electricidade que trepou, alto o suficiente para poder ver para lá da cerca de metal que marca a fronteira com o Egipto e o extremo Sul da Faixa de Gaza. “Queremos comer. Queremos viver. Não há comida, irmãos. Queremos comer”, grita a criança.

Ao território que as Nações Unidas descrevem como “à beira da fome” – as autoridades de Gaza e organizações não-governamentais contabilizavam no início da semana pelo menos 27 pessoas mortas nos dias anteriores “como resultado da subnutrição e desidratação”, incluindo 23 crianças mortas “à fome” – chegaram finalmente as 200 toneladas de alimentos transportadas no navio Open Arms (da ONG espanhola com o mesmo nome), que deixara Chipre há quatro dias.

A operação, financiada em grande parte pelos Emirados Árabes Unidos, foi coordenada por outra ONG, a norte-americana World Central Kitchen.

A bordo seguiram feijões, cenouras, grão, farinha, óleo, latas de atum e de milho e tâmaras, fruta usada por muitos muçulmanos para quebrar o jejum do Ramadão, mês sagrado do islão que começou há uma semana. As equipas da WCK passaram horas a construir um cais improvisado (não há nenhum porto funcional em Gaza) para poderem descarregar os alimentos. Mas os detalhes sobre como estes seriam distribuídos eram poucos e as agências da ONU têm-se queixado dos obstáculos que enfrentam para levar a ajuda as que mais dela precisam.

Enquanto o primeiro carregamento de ajuda transportada por mar era descarregado, os Estados Unidos, a Jordânia e a Alemanha, entre outros países, continuaram a lançar comida de avião para o enclave palestiniano, um método que as ONG dizem ser extraordinariamente caro e pouco eficaz, sendo impossível garantir onde chega ou quem beneficia.

“Cada pacote conta. Mas as largadas aéreas não são suficientes. O Governo israelita tem de abrir urgentemente mais postos de fronteira, especialmente para permitir mais distribuições de ajuda por terra”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão na rede X (ex-Twitter), na véspera da chegada do chanceler, Olaf Scholz, à Jordânia e a Israel, onde vai encontrar-se com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

Rapidez "chocante"

Em Amã esteve já este sábado o primeiro-ministro belga, Alexandre De Croo, que não se limitou a exigir ao Governo de Israel que abra mais acessos para a ajuda. “Hoje vejo que uma grande parte da população [de Gaza] está em risco de fome. Cabe a Israel provar que a fome não é usada como arma de guerra”, afirmou. “Tácticas de inanição são inadmissíveis”, escreveu depois De Croo na rede X.

Os dados divulgados pela ONU e por agências internacionais continuam a piorar e é cada vez mais difícil apreender o significado de cada alerta. “A situação é catastrófica e piora a cada minuto”, avisou a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA). “Uma em cada três crianças com menos de dois anos estão num estado de subnutrição aguda no Norte de Gaza”, afirmou a UNICEF.

Os dados do Fundo da ONU para a Infância mostram um aumento aterrador do número de crianças a sofrer de “subnutrição aguda” em todas as zonas do enclave, com os casos a duplicarem entre Janeiro e Fevereiro. No Norte, onde a situação já era pior e assim continua, se olharmos para todas as crianças menores de cinco anos, há 25% neste estado.

“A rapidez com que esta crise de subnutrição infantil se desenrolou é chocante, especialmente quando sabemos que a assistência desesperadamente necessária tem estado disponível a poucos quilómetros”, disse Catherine Russel, directora-executiva da UNICEF, num comunicado. “Tentámos repetidamente levar mais ajuda e apelámos repetidamente que fossem resolvidos os obstáculos de acesso. Em vez disso, a situação das crianças piora a cada dia que passa. E os nossos esforços são prejudicados por restrições desnecessárias, que estão a custar a vida às crianças.”

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