Incontinência urinária: danos da doença ainda são estigmatizantes
Estudo mostra que em Portugal 9,9% das mulheres com mais de 18 anos reportam que sofrem de incontinência urinária.
A incontinência urinária, doença associada a problemas cardiovasculares, respiratórios e mentais, pode ser tratada e não deve ser encarada como algo normal ou inevitável, defendeu esta quarta-feira um investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial da Incontinência Urinária que se assinala na quinta-feira, Francisco Cruz apontou que "a incontinência urinária não mata ninguém, mas muitas pessoas vivem miseravelmente, vivem isoladas e sentem-se estigmatizadas".
"A incontinência urinária afecta gravemente a qualidade de vida das pessoas. É preciso fazer uma reforma profunda da política de continência urinária. Não é a política de incontinência que está em causa, é a de promover continência na Europa. Esta questão devia ser uma preocupação da política do próximo Governo em termos de promoção a saúde", disse o investigador da FMUP.
Francisco Cruz, que é um dos signatários do Manifesto An Urge to Act, documento que junta recomendações de vários investigadores e especialistas europeus e foi divulgado em Novembro numa conferência europeia dedicada a este tema, considerou que a prevenção é a primeira medida e a segunda o acesso rápido a consultas, mas "realmente importante é acabar com o conceito de que este é um problema normal".
"Na Europa, a demora média para primeira consulta chega a dois anos. Não é aceitável. Não se pode considerar como normal uma situação que pode ser evitada ou tratada (...). Todos os dias vemos na televisão anúncios para fraldas para incontinência urinária. Com as fraldas da marca tal posso andar de bicicleta, ir buscar os meus netos, fazer não sei quê e não sei que mais." Mas não se vê nenhuma informação a preceder esta publicidade a dizer "se tem incontinência urinária, vá ao seu médico". Isto tem de ser alterado", concluiu Francisco Cruz.
À Lusa, Francisco Cruz, que é representante da especialidade de urologia na comissão científica da International Continence Society (ICS), revelou que em Abril, em Paris, no congresso anual da Associação Europeia de Urologia, uma das sessões plenárias será relacionada com as consequências dos tratamentos oncológicos para a continência urinária.
"É muito fácil para um médico propor uma cirurgia para retirar a próstata ou a bexiga, mas muitas vezes não se informa devidamente os doentes que eventualmente vão sofrer de um outro problema que é a incontinência", disse.
Incontinência urinária em Portugal
Doença associada a problemas cardiovasculares, respiratórios e mentais, bem como depressão, dificuldades de concentração e sentimentos de inutilidade e de culpa, a incontinência urinária é definida pela ICS como queixa de perda involuntária de urina.
Trata-se de uma doença que afecta muito mais o sexo feminino, uma vez que, por questões anatómicas que são providenciadas pela próstata, os homens não sofrem tanto.
"A incontinência feminina afecta muito as mulheres com menos escolaridade e menos rendimentos que tendem a ser as que têm menor acesso a cuidados de saúde, incluindo medicamentos e medidas de prevenção, tais como o controlo do peso e o reforço do pavimento pélvico no pós-parto. As novas políticas devem ter isto em conta", reforçou o investigador, recorrendo a um estudo publicado na revista científica World Journal of Urology que mostra que, em Portugal, 9,9% das mulheres com mais de 18 anos reportam que sofrem de incontinência urinária.
O estudo de 2023, cuja primeira autora é Margarida Manso, também investigadora na FMUP, revela que a prevalência de incontinência urinária auto-reportada aumenta com a idade (28,9% nas mulheres entre os 75 e os 85 anos).
O trabalho analisou dados relativos a 10.465 mulheres com idade superior a 18 anos e revelou que esta doença é mais frequente em mulheres com menor escolaridade (28,2%) e com rendimentos mais baixos (14,4%).
Além de Francisco Cruz e Margarida Manso, são autores do estudo Francisco Botelho, Cláudia Bulhões e Luís Pacheco-Figueiredo, da Universidade do Minho.