Florestas tropicais mantêm “cicatrizes” de exploração madeireira de há 30 anos

Jovens árvores tropicais têm maior probabilidade de sobreviver em florestas intocadas do que em áreas onde, no passado, tenha havido extracção de madeira, sugere estudo realizado no Bórneu.

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Floresta tropical intocada no vale do Danum, ilha do Bórneu, Malásia David Bartholomew/DR
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Jovens árvores tropicais têm maior probabilidade de sobreviver em florestas selvagens do que em locais onde, no passado, tenha havido extracção de madeiras, sugere um estudo publicado nesta terça-feira na revista científica Global Change Biology. Nem três décadas são suficientes para apagar as cicatrizes” causadas pelo abate de espécies, mesmo quando são plantadas novas árvores.

Dito de uma forma muito simplificada: a trajectória de vida de jovens árvores que crescem em florestas antigas, intocadas, tende a ser mais feliz do que a das que estão em áreas reflorestadas (natural ou activamente). Ou seja, em termos de biodiversidade, talvez não baste cortar e replantar espécies para garantir que tudo volta a ser como antes.

Os autores estudaram, durante 18 meses, mais de 5000 plântulas – o embrião vegetal desenvolvido a partir da semente – em florestas tropicais a norte do Bornéu, na Malásia (a ilha conta ainda com territórios pertencentes ao Brunei e à Indonésia). A região tem sido por décadas afectada não só por incêndios, mas também pela desflorestação associada à extracção madeireira e ao cultivo de óleo de palma.

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Mais de 5000 plântulas foram etiquetadas e acompanhadas individualmente durante 18 meses David Bartholomew/DR

“O que mais nos surpreendeu foi ver a grande diferença entre as taxas de sobrevivência das plântulas nas florestas em restauração activa e nas áreas de floresta antiga. Mesmo com intervenções destinadas a ajudar a floresta a recuperar, as árvores jovens nas áreas restauradas não se saíram tão bem como esperávamos, realçando a complexidade dos ecossistemas florestais e os desafios de imitar o intrincado equilíbrio da natureza”, explica ao PÚBLICO o investigador David Bartholomew, primeiro autor do estudo.

Ir além da plantação de árvores

David Bartholomew sublinha que há muitos aspectos da restauração florestal que ainda não entendemos, havendo “a necessidade de uma compreensão mais profunda e de abordagens mais matizadas”. Por outras palavras, regenerar uma floresta tropical pode exigir esforços que vão “além da simples plantação de árvores”.

Os autores estudaram paisagens que abrangiam não só florestas selvagens intocadas (dominadas pela família de árvores Dipterocarpaceae), mas também áreas que foram exploradas há 30 a 35 anos – mais precisamente a área protegida do vale de Danum e a reserva florestal de Ulu Segama. Parte dessas terras estavam a recuperar de forma espontânea, ao passo em que outras haviam sido alvo de acções de regeneração através da plantação de árvores há 15 a 27 anos.

“Ficámos surpreendidos com o facto de os locais de restauração terem uma menor sobrevivência das plântulas. Após um fenómeno de frutificação tão produtivo na floresta restaurada, é decepcionante que tão poucas tenham conseguido sobreviver e pensar no que isso pode significar para a recuperação a longo prazo de diferentes espécies de árvores”, afirma o co-autor Robin Hayward, citado numa nota de imprensa.

Robin Hayward participou no projecto de investigação enquanto concluía o doutoramento na Universidade de Stirling, na Escócia. Já David Bartholomew estava na Universidade de Exeter, no Reino Unido, durante a elaboração do artigo, trabalhando agora como biólogo na Conservação Internacional de Jardins Botânicos (BGCI, na sigla inglesa), uma organização não-governamental com sede no Reino Unido que agrega jardins botânicos de diferentes países.

Na sequência de um período de seca hidrológica, a região estudada testemunhou um fenómeno de frutificação em massa, ou seja, as árvores estavam a deixar cair frutos concomitantemente e a dar origem a novas plântulas. Os cientistas afirmam no estudo ter acompanhado meticulosamente o desenvolvimento desses embriões vegetais, avaliando diferentes indicadores.

“Ao estudar de perto a floresta após esse episódio raro de frutificação, obtivemos informações valiosas sobre este intrincado processo natural. A principal conclusão para os nossos leitores é a necessidade urgente de aperfeiçoar os nossos métodos de regeneração florestal – isto se quisermos reavivar totalmente a rica biodiversidade que define estes diversos ecossistemas”, refere David Bartholomew.

Benefícios desaparecem a longo prazo

Numa fase inicial, tanto a floresta selvagem como a restaurada apresentavam um alto número de plântulas, em comparação com a floresta em recuperação natural. Estes dados poderiam sugerir, à primeira vista, que o processo de reflorestamento poderia favorecer a produção de frutos.

A longo prazo, contudo, estas aparentes vantagens desapareciam. Isto porque as jovens árvores em zonas restauradas – de forma natural ou com intervenção humana – apresentavam uma taxa menor de sobrevivência. Esta perda de plântulas a médio e longo prazo fazia com que o número de embriões vegetais permanecesse comparativamente mais alto na floresta selvagem.

“O nosso estudo destaca um desafio significativo: embora os esforços de restauração activa (como a plantação de árvores) possam dar o pontapé de saída para a recuperação das florestas tropicais exploradas, é uma tarefa muito complexa garantir que todo o espectro da biodiversidade volte a prosperar. Nestes ecossistemas vibrantes, todas as plantas e animais desempenham um papel crucial, mas nem todas as árvores jovens conseguem ultrapassar as fases críticas iniciais da vida”, observa o investigador do BGCI.

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As florestas onde houve no passado extracção de madeira apresentam uma população menor de jovens árvores, reduzindo a probabilidade de a geração seguinte emergir David Bartholomew/DR

Se repor as árvores cortadas não é suficiente, então o que pode ser feito para regenerar florestas tropicais únicas como as do Bornéu? Bartholomew diz que é preciso pensar em múltiplos factores na hora de recuperar um ecossistema – o microclima, a saúde do solo ou a gestão das populações de predadores de sementes, por exemplo. Também é crucial assegurar a diversidade genética das árvores plantadas.

“Ao integrar estes elementos, os esforços de recuperação podem ir além das abordagens centradas no carbono, adoptando estratégias mais holísticas que promovam a resiliência e a diversidade dos ecossistemas a longo prazo”, afirma David Bartholomew.

Os autores sublinham no artigo que mais estudos são necessários para compreender melhor os efeitos a longo prazo das acções de reflorestação e os mecanismos que condicionam a sobrevivência das plântulas.

“As florestas tropicais são sistemas complexos e há muitas explicações possíveis para os nossos resultados. Por exemplo, os animais que comem sementes (como os porcos-barbudos) podem ser atraídos para as manchas florestais restauradas para comer as sementes e as plântulas mais abundantes, em vez de se deslocarem para as florestas adjacentes exploradas com madeira de má qualidade. Nas florestas naturais, os animais podem deslocar-se mais livremente e, por isso, não esgotam as reservas de sementes da mesma forma”, exemplifica Daisy Dent, cientista do Instituto de Investigação Tropical Smithsonian, no Panamá, citada num comunicado.