A imensidão hostil

Cair sem mais receios na água que sempre vira como inimiga e que noutras ocasiões, assumindo uma forma menos impressionante do que o mar, lhe levara uma amiga e a boneca de papel da sua infância.

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Depois das aulas da manhã, depois dum café e dum bagaço, depois dum cigarro, ao caminhar na rua dirigindo-se para casa reparou num casal que almoçava num restaurante da Baixa, ele bastante mais velho do que ela, ela muito parecida com a Ana. O Eduardo ficou uns segundo a olhar para os dois através da janela do restaurante, é a Ana, concluiu, quem será aquele?, parecem íntimos. A Ana pousou a mão dela na mão dele, soltando uma gargalhada, o Eduardo nunca a tinha visto rir assim, costumava ser mais contida e grave, mas junto daquele estranho parecia notavelmente mais desinibida e calorosa. Quando a Ana chegou a casa, o Eduardo perguntou-lhe como fora o dia, normal, normalíssimo, respondeu ela, onde almoçaste?, perguntou ele, num restaurante da Baixa, respondeu ela, sozinha?, perguntou ele, com um amigo, respondeu ela, que amigo?, perguntou ele, um amigo de infância, respondeu ela. O Eduardo achou que a Ana mentia: amizade de infância com aquela diferença de idades? quantos anos teria aquele sujeito? 45? 50? tinha seguramente mais uns vinte ou trinta anos do que a Ana. Andaram juntos na creche ou na primária?, perguntou ele, sabendo que a resposta não poderia ser afirmativa, para bem da plausibilidade. Não, respondeu ela, enfadada com o interrogatório. Já acabaram as perguntas?

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