Sete ONG acusam a UE de compensar o Ruanda pelas guerras que causa no Congo

Organizações a trabalhar na RD Congo perguntam como é possível Bruxelas assinar um acordo sobre minerais estratégicos com “um país que desestabiliza a região e exporta minerais que não são seus”.

Foto
Uma mina de coltan no Leste da República Democrática do Congo GORAN TOMASEVIC/Reuters
Ouça este artigo
00:00
04:12

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Sete organizações não governamentais a trabalhar na República Democrática do Congo pedem à União Europeia que anule o acordo assinado a 19 de Fevereiro com o Ruanda para aquisição de minerais estratégicos para a transição energética produzidos de forma sustentável e rastreável. Dizem que aquele país “só se tornou um grande exportador” desses minérios “graças às guerras que tem vindo a desencadear” no vizinho Congo desde 1996, através de grupos que arma e financia secretamente.

Num comunicado divulgado nesta sexta-feira, intitulado “Não ao apoio escandaloso a um país que desestabiliza a região e exporta minerais que não são seus”, a rede Insieme per la Pace in Congo (IPC), composta por sete ONG com trabalho humanitário e de cooperação em território congolês, afirma que “é pena” que “a UE invista neste sentido num país que não possui quantidades significativas destes minerais”.

“Se o objectivo do acordo de 19 de Fevereiro, como afirma o Parlamento Europeu em resposta às muitas críticas que têm surgido, é ‘aumentar a rastreabilidade e a transparência e reforçar a luta contra o comércio ilegal de minerais’, não seria mais adequado sancionar o Ruanda em vez de celebrar acordos com este país, precisamente sobre os frutos do roubo que está a ocorrer?”, pergunta o comunicado, que pede à UE que reconsidere e anule o protocolo.

As organizações dizem que Bruxelas se esforçou muito para que a linguagem do acordo expresse “uma forte intenção de respeitar a legalidade, de acordo com as normas de rastreabilidade que a própria Europa estabeleceu para si própria em 2021”, no entanto, o que está a fazer é dar um sinal errado ao mundo.

“No momento em que, após múltiplas denúncias, no mundo se tomava consciência deste conflito reacendido há dois anos, no momento em que o povo congolês mal tinha ainda engolido a notícia dos 20 milhões de euros atribuídos pela UE ao regime ruandês no final de 2022 para apoiar as suas forças em Moçambique, a notícia deste acordo atingiu-os como um relâmpago.”

As sete ONG, agrupadas na rede Insieme per la Pace in Congo (Unidos pela paz no Congo), e as cinco pessoas que assinam o documento em nome individual pedem a Bruxelas que ouça as “muitas vozes que se levantaram contra o acordo em questão”, quer no Congo, quer na Europa, nomeadamente eurodeputados, e instam os 27 “a cancelar este acordo, a fim de contribuir para a paz na região”.

“Acreditamos que só uma atitude justa e imparcial pode promover a coabitação pacífica na região dos Grandes Lagos em África”, acrescenta o comunicado, que pede à UE que preste atenção ao que se passa dentro do Ruanda e ao “nível muito elevado de sofrimento reprimido”.

Numa altura em que se aproxima a data em que se assinala os 30 anos do genocídio no Ruanda (7 de Abril a 15 de Julho de 1994), que matou entre 500 mil e 800 mil ruandeses da minoria tutsi e também hutus e twas moderados, o comunicado pede às autoridades europeias que “as tragédias passadas” não devem servir para “tapar os olhos” às violações de direitos humanos do Governo de Paul Kagame, “abertamente denunciadas por muitas investigações rigorosas e pela própria ONU”.

“Ignomínia”

O acordo UE-Ruanda já tinha levado a uma resposta dura do Presidente congolês, que acusara Bruxelas de estar a fazer uma “guerra por procuração” contra a República Democrática do Congo, considerando que esta “ignomínia” só irá contribuir para a pilhagem dos recursos minerais congoleses.

“Toda a gente sabe que o Ruanda não tem um grama desses minerais ditos cruciais no seu subsolo. O Ruanda nem sequer os transforma, exporta-os e ganha dividendos com eles, à custa do sangue dos nossos compatriotas”, disse Tshisekedi, que chamou aos 27 cúmplices de um roubo: “Quando se compra o produto da receptação, é-se culpado de roubo, é-se equiparado a um ladrão.”

A 24 de Fevereiro, na sua homilia, o arcebispo de Kinshasa, cardeal Fridolin Ambongo Besungu, questionava: "A União Europeia assina um acordo com o Ruanda para uma cooperação sustentável no sector mineiro por causa dos recursos saqueados na República Democrática do Congo. Não será isto entendido como um apoio ao agressor?" Na missa em memória das vítimas da guerra no Leste do país, o cardeal acrescentou que “denunciar o agressor sem parar o ciclo de agressão e financiar a guerra através de tais acordos é uma estratégia de diversão".

O painel de especialistas da ONU para a crise congolesa diz que o Ruanda é o patrocinador logístico e ideológico do Movimento 23 de Março (M23) e os Estados Unidos e a França pediram a Kigali que ponha um ponto final nesse apoio, ao mesmo tempo que continuam a ajudar financeiramente o Governo de Paul Kagame, cujo Orçamento do Estado depende num terço do auxílio internacional.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários