Relatório da UNRWA denuncia pressões de Israel para fabricar ligações ao Hamas
Segundo a agência da ONU para os refugiados palestinianos, alguns dos seus funcionários interrogados por Israel foram coagidos a admitir uma ligação ao movimento islamista.
Um relatório elaborado em Fevereiro pela agência da ONU para os refugiados palestinianos, e cuja existência só foi noticiada na sexta-feira, inclui testemunhos de alguns funcionários que dizem ter sido coagidos a admitir uma ligação ao Hamas, avança a agência Reuters.
Segundo a directora de comunicação da agência (UNRWA, na sigla em inglês), Juliette Touma, o relatório, com 11 páginas, vai ser entregue a departamentos da ONU e organizações externas com experiência na investigação de possíveis abusos dos direitos humanos.
"Quando a guerra acabar, será preciso lançar uma série de processos para investigar toda e qualquer violação dos direitos humanos", disse Touma à Reuters.
O relatório, cuja consulta em pormenor pela Reuters foi negada pela UNRWA, incluirá alegações de espancamentos, waterboarding (simulação de afogamento) e ameaças de violência física contra familiares de funcionários da agência da ONU.
O objectivo das agressões, segundo a UNRWA, seria o de coagir os funcionários a afirmar que a agência tem ligações ao Hamas e que alguns deles "participaram nas atrocidades de 7 de Outubro de 2023", lê-se no relatório, numa referência aos ataques do movimento islamista palestiniano em território de Israel, há cinco meses, que fizeram pelo menos 1200 mortos e motivaram uma intensa campanha de bombardeamentos israelitas em Gaza que já provocou mais de 30 mil mortos.
Questionado pela Reuters sobre as denúncias do relatório, um porta-voz do Exército israelita, citado sob anonimato, disse que Israel "actua de acordo com a lei internacional na protecção dos direitos dos prisioneiros", e sugeriu que as testemunhas em causa podem ter sido ameaçadas pelo Hamas para inventarem denúncias de maus tratos.
Em resposta, a directora de comunicação da UNRWA disse que o relatório assenta em testemunhos na primeira pessoa, feitos por palestinianos detidos e entretanto libertados por Israel, "alguns deles com sinais de violência física e psicológica".
Em Janeiro, o Governo de Israel acusou 12 dos 13 mil trabalhadores da UNRWA em Gaza de terem participado nos ataques de Outubro, o que levou 16 países, incluindo os EUA, a suspenderem as suas contribuições financeiras à agência.
O fim da suspensão no financiamento está condicionado à apresentação dos resultados de uma investigação independente conduzida pela antiga ministra dos Negócios Estrangeiros francesa Catherine Colonna, e cuja publicação deverá ocorrer em Abril.
No início do mês, Israel voltou a acusar a UNRWA de ter ligações ao Hamas, afirmando que mais de 450 funcionários da agência são "operacionais militares" do movimento palestiniano.
Segundo a liderança da UNRWA, as acusações de Israel fazem parte de uma campanha "deliberada e concertada" para pôr fim ao trabalho da agência em Gaza.
Neste sábado, o director da UNRWA, Philippe Lazzarini, mostrou-se "cautelosamente optimista" no reatamento das contribuições financeiras "nas próximas semanas", após a publicação do relatório de Colonna.
Numa entrevista ao canal suíço RTS, Lazzarini avisou que a agência da ONU — um apoio essencial para os palestinianos de Gaza e da Cisjordânia, principalmente no meio de uma campanha de bombardeamentos e de outros ataques que já dura há cinco meses — "enfrenta um risco de morte, de desmantelamento".
"O que está aqui em causa é o futuro dos palestinianos de Gaza a curto prazo. Eles estão a enfrentar uma crise humanitária sem precedentes", disse o responsável.