Gustavo Hamer, do orfanato para a Premier League
Nasceu na pobreza extrema, mas teve direito a uma vida feliz com um casal neerlandês que o adoptou quando tinha dois anos. Joga no aflito Sheffield United, mas já foi parceiro de ataque de Gyökeres.
Gustavo Hamer sabe de onde veio. De Navegantes, uma cidade de 80 mil habitantes no litoral sul do Brasil, em Santa Catarina. E sabe onde está agora, a jogar na Premier League inglesa. E também sabe o que lhe aconteceu pelo caminho, nascido em ambiente de pobreza extrema, a viver num orfanato nos primeiros dois anos e adoptado por um casal neerlandês. E foi para ele o caminho da felicidade – e para Guilherme, um dos irmãos mais velhos, que foi adoptado pelo mesmo casal. Sente-se mais neerlandês que brasileiro (mas não renega o país de origem), joga no melhor campeonato do mundo (mas numa das piores equipas, o Sheffield United) e já é pai de Thiago, um menino de quatro anos.
Hamer esteve em destaque nesta jornada da Premier League, ao marcar o primeiro golo no Sheffield United num jogo que acabaria em empate (2-2) e que não fez muito para alterar a condição dos “blades” na geral – estão em 19.º, com apenas 14 pontos, e não parecem ter argumentos para evitar a despromoção ao Championship. Mas talvez Hamer, que é internacional jovem pelos Países Baixos, não desça com eles. Foi do Championship que ele veio, com duas épocas no Coventry City ao lado do sportinguista Viktor Gyökeres. Se a Premier League andava distraída em relação ao avançado sueco, não deixou fugir o médio neerlandês, mesmo que tenha sido uma equipa de fundo da tabela.
Foi há 26 anos que Gustavo nasceu em Navegantes, mas pouco ou nada conheceu dos pais. Foi a avó que o entregou para adopção porque os pais, como contou à publicação neerlandesa “Destentor”, “já tinham escolhido coisas diferentes”. A mãe, toxicodependente, abandonou a família quando Gustavo tinha um ano, o pai, pescador, saiu pouco depois, e a avó ficou a tomar conta dele, dos quatro irmãos e de uma irmã. Os três mais velhos, entre os 11 e os 13 anos, já estavam na rua, a sobreviver, os mais novos foram para um orfanato.
Foi aqui que Klaas, um advogado, e Joke Hamer, uma professora, os adoptaram, através de uma agência internacional. Gustavo não tem memória de nada das suas origens brasileiras, e o vínculo com as suas origens está no irmão Guilherme, que é um ano mais velho. Ficou a saber-se, mais tarde, que Gustavo teve mais irmãos depois de ir embora, mais quatro. Dos dez, sete foram adoptados e dois deles, os mais velhos, morreram na rua, um deles alvejado por um tio num negócio de droga que correu mal. O contacto com os outros irmãos e com a família biológica é residual.
Foi nos Países Baixos que teve a sua infância feliz e onde se encontrou com o futebol, nas escolas de um gigante, o Feyenoord. Jogou nos sub-18 e sub-20 neerlandeses e teve alguns minutos numa equipa do Feyenoord que foi campeã em 2016-17, mas foi a única vez que jogou pela primeira equipa do gigante de Roterdão.
Depois, foi para o Dordrecht (uma época), seguiu para o PEC Zwolle (duas épocas), antes de ir para o futebol inglês e para o Coventry, onde rapidamente se tornou num dos favoritos. Ao lado de Gyökeres, quase conseguiu a promoção à Premier League, mas, com esse objectivo falhado, também ele saiu – o sueco custou 20+4 milhões ao Sporting, enquanto o Sheffield United pagou cerca de 17 milhões pelo médio que, em três épocas, marcou 19 golos e fez 22 assistências.
Estreou-se a marcar na Premier League com um brilhante remate de fora da área num jogo frente ao Nottingham Forest (não valeu de nada, porque o United perdeu). Foi o primeiro de quatro golos que já leva esta época (e quatro assistências), sendo ele um dos poucos pontos positivos de uma campanha desastrosa dos “blades” – já só têm dez jornadas para recuperar dez pontos e chegar à zona de segurança. Mas Gustavo já teve o seu final feliz.