O fim da ciência na era da inteligência artificial

Uma boa parte das pessoas está muito preocupada com os empregos que a IA poderá eliminar no futuro. Eu estaria mais preocupado com a eliminação gradual da nossa capacidade em “explicar a realidade”.

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Em 1976, o estatístico britânico George Box disse que “todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. A leitura que o historiador Yuval Harari fez desta frase foi a de que “o teste real ao conhecimento não é a verdade, mas a utilidade”. Apesar dos modelos que construímos serem imperfeitos, são o modo de explicarmos o mundo. Porém, em 2008, Chris Anderson escreve para a revista Wired sobre o “O Fim da Teoria” dizendo: “Empresas como a Google (…) não têm de se contentar com modelos errados. Na verdade, elas não têm de se contentar com modelos de todo.” A utilidade da correlação de dados sobrepõe-se à verdade revelada pela explicação produzida pelos modelos.

O aumento exponencial da informação e a emergência da inteligência artificial (IA) permite inferir cada vez melhor um resultado a partir de dados. Confiamos naquilo que a máquina diz por ter a barriga cheia da informação que lhe demos. Porém, enquanto uma boa parte das pessoas está muito preocupada com os empregos que a IA poderá eliminar no futuro, pelo contrário, penso que surgirão novos empregos para responder a esta evolução tecnológica.

Eu estaria mais preocupado com a eliminação gradual da nossa capacidade em explicar a realidade. Algo que se nota já na alteração subtil imposta à cultura científica pela doutrina da utilidade, que está a moldar os investigadores do futuro na direção de operadores de correlação em vez de criadores de explicação.

Em janeiro de 2023, na revista Nature, o jornalista Max Kozlov fazia notar o declínio na produção de ciência disruptiva desde meados do século XX. A investigação em equipa favorece a evolução incremental em ciência. E os trabalhos disruptivos serão sempre poucos, mas não quer dizer que não existam. Adrian Bejan, criador da recente disruptiva Teoria Constructal, analisa esta tendência: “Ideias de autores únicos e teorias preditivas que agitam o barco já não aparecem nas revistas de topo. Não lhes estão a ser atribuídas bolsas por agências governamentais. Grandes grupos, centros, pensamento em equipa, grandes orçamentos e trabalho marginal são a norma. Prioridades, iniciativas e diretivas são impostas por administradores desconhecidos do governo.”

Por um lado, a investigação disruptiva não surge da melhor correlação de dados, mas da procura pela explicação daquilo que se observa nos dados, atingindo-se com pequenas equipas. Por outro lado, a investigação incremental disruptiva, como no caso da medição das ondas gravitacionais, exige muitos recursos e grandes equipas internacionais. O que ambos os caminhos têm em comum é levarem tempo. A visão evolucionária da ciência assente na explicação, e menos na correlação, concretiza-se numa perceção epocal do tempo, um Tempo 3.0 como propus num recente livro.

Qual o fim da ciência num Tempo 3.0 se as ferramentas de inteligência artificial são cada vez melhores a correlacionar dados e a prever coisas sem qualquer necessidade de explicações?

No início da minha carreira como investigador produzir uma nova correlação era útil para o desenvolvimento de sistemas de engenharia. Mas o manancial de dados usados no treino da IA tornará inútil produzir novas correlações. A finalidade da ciência assente na utilidade tem os dias contados na Era da Inteligência Artificial. Ou assentamos essa finalidade noutro pilar ou o “Fim da Teoria” converte-se em “Fim da Ciência”. Parece-me que esse pilar será a explicação.

Está aberta a “caça” aos projetos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Quantos serão os que assentarão o objetivo em fatores explicativos em vez de correlativos? A ciência disruptiva possui um risco elevado para financiamento por ser movida mais pelas questões que levanta do que pelas respostas que dá. Há problemas que se resolveriam com uma boa explicação, mas sem se investir em projetos de risco, arriscamo-nos a perder a capacidade explicativa na cultura científica. Se a era da inteligência artificial representar o fim da ciência, espero ao menos que encontremos uma boa explicação para isso.

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