A incrível história de um recife de coral recuperado totalmente em apenas quatro anos
Projecto inovador de restauro de recifes de corais na Indonésia mostrou que, em apenas quatro anos, recife voltou a ter o mesmo grau de crescimento do de um ecossistema natural.
As imagens são reveladoras, um projecto de restauro de recifes de coral na Indonésia conseguiu mudar completamente a paisagem aquática ao redor de uma ilha. Uma região que há décadas não tinha corais a crescer, viu aparecer em apenas quatro anos um recife com um crescimento equivalente a um recife natural, mostra um artigo publicado nesta sexta-feira na revista Current Biology.
“Vimos que quatro anos após o transplante de corais, os recifes restaurados cresceram à mesma velocidade que recifes saudáveis existentes nas redondezas e, portanto, providenciaram as mesmas funções dos ecossistemas”, explica ao PÚBLICO Ines Lange, investigadora da Faculdade de Ambiente, Ciência e Economia, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e primeira autora do artigo. “Esta é uma recuperação muito rápida, que foi possível graças a um projecto de restauro de recifes bem planeado e conduzido.”
Os recifes de coral são das regiões marinhas mais ricas em biodiversidade. Cerca de um quarto das espécies marinhas vivem em recifes. As estruturas dos recifes têm a capacidade de ajudar a proteger as comunidades costeiras das ilhas que rodeiam contra ondas e tempestades, além de providenciarem recursos pesqueiros àquelas comunidades.
Estes ecossistemas são formados por colónias de pequenos animais pertencentes ao filo dos cnidários, chamados pólipos. Muitos deles vão segregando um exosqueleto de carbonato de cálcio, criando os recifes. Apesar destes animais se alimentarem de pequenos organismos, eles estabelecem também uma relação simbiótica com as zooxantelas, seres unicelulares que fazem fotossíntese, dão cor aos corais, e providenciam algumas moléculas importantes aos pólipos. Em contrapartida, as zooxantelas usam o dióxido de carbono produzido pelos pólipos para a fotossíntese e têm um habitat protegido.
“Esperança” escrita a coral
Infelizmente, os recifes de coral estão cada vez mais ameaçados por causa das alterações climáticas, que ao aquecerem as águas marinhas provocam o fenómeno de branqueamento dos corais. Basicamente, as águas demasiado quentes fazem com que os pólipos expulsem as zooxantelas, deixando os corais descoloridos e muito mais vulneráveis. Este é um problema que afecta regiões como a Grande Barreira de Coral, na Austrália, e os recifes ao largo da Florida, nos Estados Unidos.
Mas na Indonésia, onde se deu o projecto de restauro, o problema foi a pesca. O recurso à pesca com explosivos, usados para atordoar ou matar os peixes, ocorrido há mais de 30 anos, destruiu muitos recifes existentes na região. Desde então, os ecossistemas não conseguiram regenerar-se. “Apesar da grande disponibilidade de larvas de corais, estas áreas degradadas não mostraram sinais de recuperação devido à dominância de fragmentos móveis, que inibe a sobrevivência dos corais juvenis”, lê-se no novo artigo.
Mas o projecto de restauro Mars Coral Reef Restoration Programme, que já tem 15 anos, e até desenhou a palavra inglesa “HOPE” (esperança) usando a técnica de restauro de corais, respondeu a esse problema. O trabalho foi feito junto à pequena ilha de Pulau Bontosua, que faz parte do arquipélago de Spermonde, situado junto à costa, no Sudoeste da ilha de Sulawesi, pertencente à Indonésia. O projecto, que tem o patrocínio de vários parceiros, incluindo empresas, governos e organizações não-governamentais, tem uma mentoria científica internacional, mas dá formação a pessoas da comunidade local para levarem a cabo o trabalho de restauro.
O restauro do ecossistema baseia-se numa estrutura metálica hexagonal, chamada reef star (estrela de recife), que é revestida por areia e onde se prendem entre dez a 15 fragmentos de coral usando braçadeiras. Depois, os hexágonos são agregados em blocos no mar, em zonas com poucos metros de profundidade, numa estrutura de colmeia. Cada bloco tem cerca de 50 por 20 metros de área. Nos meses seguintes à colocação dos hexágonos, estes são alvo de uma manutenção regular, removem-se as algas que se agarram ao metal e substituem-se os fragmentos de coral que, eventualmente, morrem.
Bom crescimento mas pouca diversidade
O trabalho agora publicado baseou-se na observação de 12 blocos que foram colocados em anos diferentes. Quando foram estudados pela equipa para este trabalho, em 2022 e 2023, três blocos tinham quatro anos de vida, três tinham dois anos, três tinham um ano e outros três tinham acabado de ser colocados. Visualmente, as fotografias de blocos com diferentes anos de vida mostram que os corais, com o passar do tempo, vão crescendo e tomando conta do espaço.
Mas é preciso mais para avaliar a evolução dos recifes restaurados e compreender se os blocos estão realmente a comportar-se como ecossistemas naturais. Para isso, a equipa comparou os 12 blocos a três lugares com recifes degradados e a outros três lugares com recifes saudáveis.
Um dos principais fenómenos estudados foi o balanço de carbonato, ou seja, a quantidade de carbonato de cálcio que estava a ser produzida e mantida nos recifes restaurados. Este aspecto é importante porque “descreve o balanço entre a produção estrutural do recife (pelos corais) e a erosão (feita pelos ouriços do mar e pelos peixes-papagaio, por exemplo)”, diz Ines Lange. “É um indicador que se pode medir sobre a saúde do recife e das suas funções a nível do ecossistema, já que está na base da oferta de habitat e da protecção costeira”, explica.
Os resultados mostraram que os corais com quatro anos tinham um balanço de carbonato equivalente aos recifes naturais e saudáveis, o que foi uma boa notícia. “Mostramos que o restauro de recifes pode ser uma ferramenta local poderosa para trazer de volta ecossistemas de recife de coral funcionais num período de tempo relativamente curto”, afirma a investigadora.
No entanto, uma diferença importante encontrada entre os blocos de quatro anos e os recifes saudáveis é que a diversidade dos blocos restaurados era menor em termos de espécies de corais. Embora tenham sido retirados da região, o projecto escolheu certo tipo de corais para serem transplantados porque eram mais eficazes na regeneração o ecossistema. E, apesar de o ambiente aquático ser rico em larvas de outro tipo de corais, elas não conseguiram naturalmente implantar-se nos blocos.
“Provavelmente, o recrutamento natural vai demorar um pouco mais do que quatro anos, já que necessita de um substrato adequado [para as larvas se implantarem] que irá ser criado à medida que os fragmentos de corais se vão acumulando dentro das estruturas reef star”, explica Ines Lange.
A investigadora explica que a diversidade de espécies é importante porque traz resiliência aos recifes de corais, já que muitos dos corais usados no transplante inicial são mais susceptíveis ao branqueamento. Mas o projecto quer responder a esta situação. “A equipa de restauro já começou a fazer alguns trabalhos de transplante de outro tipo de corais, e estão também a integrar no design de restauro um substrato mais adequado para o recrutamento”, aponta. “Isto vai provavelmente acelerar o recrutamento natural de uma diversidade maior de espécies.”
A ameaça mais grave
Neste momento, mais de quatro hectares de chão marinho foram alvo do projecto de restauro do programa Mars naquela região da Indonésia. O programa já está a ser aplicado noutros locais do mundo, como na Austrália e nos Estados Unidos. Para Ines Lange, esta técnica poderá ser aplicada em grande escala em outros lugares com recifes degradados, principalmente aqueles que sofreram danos por causa de impactos físicos, como a pesca por explosivos, e que tenham boas condições para o crescimento dos corais.
Em relação ao impacto das alterações climáticas nos corais, a investigadora é mais cuidadosa. “As alterações climáticas são a ameaça mais grave para os recifes de coral em todo o mundo e só a redução das emissões de carbono ajudará a estabilizar o clima e a permitir que os recifes de coral sobrevivam tal como os ecossistemas que vemos hoje”, diz
Mas há, ainda assim, esperança. As áreas marinhas que são consideradas refúgios térmicos, e não estão tão sujeitas às condições que provocam o branqueamento dos corais, podem ser locais prioritários para o restauro dos recifes. Outra possibilidade é usar a reprodução artificial para produzir corais mais resistentes a altas temperaturas, sugere Ines Lange: “Pensamos que o restauro pode, para já, desempenhar um papel importante na gestão dos recifes.”