Cientistas querem travar comércio “ilegal e insustentável” da vida selvagem na Europa

Cientistas querem regras mais apertadas para comércio da vida selvagem na União Europeia e propõem num artigo da Science três medidas concretas para regular e documentar melhor esta prática.

Foto
Cientistas propõem medidas para que a União Europeia colmate as lacunas existentes nas regras do comércio de organismos selvagens Universidade de Lisboa/DR
Ouça este artigo
00:00
03:11

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A União Europeia é um centro importante para o comércio “ilegal e insustentável” da vida selvagem, sendo urgente regular e documentar melhor estas actividades, defende um grupo de 12 investigadores num artigo publicado na quinta-feira na revista científica Science.

Uma das três medidas propostas pelo grupo – que inclui cientistas portugueses – é a criação de uma base de dados. Este repositório agregaria informação sobre o comércio de todas as espécies selvagens, seja ele lícito ou ilegal, permitindo assim o rastreio desde a origem da circulação de animais, plantas e fungos no mercado internacional.

“Não há registo de nada do que entra na União Europeia ou, por consequência, do que entra em Portugal. Ou seja, se estiver entre os milhares de espécies que não estão listadas na Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção) –, como é o caso de muitos répteis, anfíbios e invertebrados –, tudo o que entra não é registado. Não há nenhuma forma de saber o que está de facto a entrar no espaço europeu”, explica ao PÚBLICO o biólogo português Pedro Cardoso, primeiro autor do artigo da Science.

O artigo propõe ainda a criação de uma moldura legal a exemplo do Lacey Act, uma legislação norte-americana que determina que se a captura e exportação forem ilegais no país de origem são igualmente ilegais no local de destino. Este instrumento legal permitiria a conservação do património natural em países onde o combate ao tráfico é incipiente ou limitado por razões económicas.

“Dessa forma, as autoridades cá em Portugal, ou no resto da União Europeia, teriam de verificar se os organismos que estavam a ser exportados tinham sido enviados de forma legal. Se viessem, por exemplo, do Sul de África, ou de outro lugar, e não se provasse que tinham sido exportados de forma legal, então aí passava a ser crime também dentro da União Europeia. Isto valeria para toda a cadeia: exportação, importação e manutenção destes seres vivos selvagens”, afirma Pedro Cardoso, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Já a terceira medida proposta consiste na apresentação de dados que comprovem que as práticas comerciais são sustentáveis. Os autores argumentam que a actividade pode ser exercida dentro da legalidade e, ainda assim, constituir uma ameaça para várias espécies, em particular as selvagens, que são capturadas no próprio habitat.

Foto
Panda-vermelho escondido num cesto foi confiscado no aeroporto de Bancoque, na Tailândia Reuters

Além de Pedro Cardoso, assinam o artigo da Science investigadores portugueses como Miguel Porto e Luís Reino, do Cibio-Inbio, e Diogo Veríssimo, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. A equipa, que inclui não apenas biólogos, mas também juristas e economistas, tem como objectivo colmatar estas lacunas legislativas na União e garantir a sobrevivência das muitas espécies que não estão protegidas pela Cites.

A Cites é uma convenção, criada há meio século, que serve de instrumento internacional para o combate ao comércio ilegal da vida selvagem, abrangendo cerca de 41 mil espécies vulneráveis.

“Apesar de ter pouco mais de 300 espécies listadas e sob olhar do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Portugal padece do mesmo problema e debate-se também com fenómenos como a biopirataria na esfera da apropriação ilegal de recursos biológicos, protegidos ou não”, refere uma nota de imprensa da Universidade de Lisboa.