A tripla crise planetária ficou na gaveta

Quando é que os políticos, gestores e media vêem que a tripla crise planetária – alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição – é crucial para superar os problemas sociais e económicos?

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O tema do clima andava na ordem do dia, especialmente depois de todas as evidências plasmadas nas diferentes cimeiras das COP. A transição energética e o combate às alterações climáticas foram as grandes apostas do Governo que justificavam medidas no PRR. Veio a campanha eleitoral e tudo mudou, apesar de não serem ignoradas nas moções estratégicas dos partidos. “Concretizar”, “divulgar”, “implementar”, “modernizar”, “melhorar”, “actuar” são verbos que caracterizam de forma sistemática diferentes iniciativas, desde a continuação da transição energética à aposta no mar, ou mesmo no plano nacional hídrico.

A ausência de debate no espaço público foi culpa dos candidatos, mas especialmente dos jornalistas. A tripla crise planetária, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição crescente ainda não justificam alarme laranja ou vermelho e manchetes mediáticas: a afluência ao SNS não é maior por isso e a fome e pobreza, que grassa e aumenta na população, é por falta de dinheiro e não de bens alimentares.

Termos como “sustentabilidade”, “saúde”, “harmonia” e outros são emocionalmente apelativos, mas raramente, ou nunca, definidos. No entanto, a investigação científica tem avaliado e monitorizado a forma como as perdas de biodiversidade afectam a “sustentabilidade” dos ecossistemas.

Hoje, estão demonstrados os padrões e mecanismos pelos quais a perda de biodiversidade altera as funções e, consequentemente, a estabilidade dos serviços que os ecossistemas nos fornecem. É esta instabilidade que provoca problemas de “saúde” ou falta de “harmonia” tantas vezes detectadas, mas difíceis de justificar por degradação do ecossistema natural. A questão do retrocesso legislativo europeu sobre os pesticidas ou a recente aprovação da lei do restauro dos ecossistemas são apenas notícia do dia.

Como Portugal vai actuar, que estratégias políticas vão ser adoptadas, como conciliar a transição energética com a transição ecológica, como salvaguardar os recursos hídricos presentes nas toalhas freáticas, como preservar os nossos ecossistemas perante o apetite insaciável do turismo, a nossa maior aposta económica – são temas de futuro que ficam na gaveta.

Esta discussão, se a houvesse, podia permitir aferir a eficácia de uma política ambiental estratégica. Compreender qual o caminho que Portugal iria trilhar para enfrentar a tripla crise planetária não é tema premente. No entanto, devia ser abordado a escalas e variáveis adequadas, passíveis de serem monitorizadas continuamente, reconhecendo e aferindo a multiplicidade das acções humanas e das suas consequências. Isto pressupunha uma base de entendimento entre ecólogos, engenheiros, decisores políticos e gestores, que não existe. Actualmente, a opinião e conhecimento dos ecólogos, com visão científica e transversal sobre as respostas e previsões dos ecossistemas, é ainda raramente tida em conta.

Para que isto fosse possível, seria necessário haver sensibilidade para compreender a relação íntima entre alterações climáticas e perda de biodiversidade, a capacidade com que as espécies, com variabilidade genética, se adaptam às transformações que provocamos, e a possibilidade de os ecossistemas funcionarem como filtros de poluentes provenientes da atmosfera ou das águas.

Este conhecimento pressupõe um entendimento prévio sobre evolução, base da biologia, abordado de forma ligeira no ensino em Portugal. O aparecimento de novas espécies de bactérias resistentes ou o facto de, felizmente, só algumas pessoas terem sido severamente afectadas pela covid são temas ligados apenas ao excesso de antibióticos que se pratica ou ao êxito das vacinas. A adaptação evolutiva de bactérias ou a diversidade genética humana são pormenores que aparecem nos livros, sem contexto real.

É esta ligação à realidade que não se verifica nem no ensino, nem no financiamento da investigação fundamental, tão necessários para se compreender os mecanismos da ecologia evolutiva. Quando é que os políticos, gestores e media compreendem que esta tripla crise planetária é absolutamente crucial para superar os problemas sociais e económicos?