Bombas de insulina ainda por comprar e distribuir aos utentes ao fim de quase um ano

Sociedade Portuguesa de Diabetologia pede “estratégia coordenada” para a diabetes, “um problema grave de saúde pública”, e diz que há falhas no diagnóstico precoce e no acompanhamento de complicações.

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João Raposo, presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia Nuno Ferreira Santos
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Quase um ano após o Governo ter anunciado o programa para acesso universal a bombas de insulina de última geração, nenhum destes aparelhos foi ainda adquirido e disponibilizado aos utentes, alertou a Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD).

Em declarações à Lusa a propósito do 20.º Congresso Português de Diabetes, que arranca esta quinta-feira em Vilamoura, o presidente da SPD, João Raposo, lamentou o atraso do programa, lembrando que a mais recente informação indica que apenas esta semana foi anunciado o concurso público internacional para aquisição por parte do Estado português das bombas de insulina.

O programa para tratamento com bombas de insulina de última geração foi anunciado em Maio de 2022 pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro. Na altura, o governante explicou que se estimava que o programa abrangesse 15 mil pessoas com diabetes tipo 1 e que os doentes deveriam começar a receber os aparelhos ainda em 2023.

O despacho publicado na altura explicava que o programa resultava do trabalho desenvolvido por um grupo constituído em 2022 que estimou a existência de cerca de 30 mil pessoas afectadas pela doença em Portugal, assumindo que metade teria indicação para tratamento por sistemas automáticos de perfusão.

À Lusa, João Raposo recordou que este programa abrangia crianças e adultos “que têm ficado para trás no acesso a esta tecnologia”, lamentando os “processos burocráticos pesados e demorados”.

As bombas de insulina de última geração têm um sensor que mede em permanência o nível de glicemia do doente, adaptando a dose de insulina necessária ao longo do dia. Nas mais antigas, o doente tinha de medir ele próprio o índice de glicemia (com picada no dedo) e introduzir os dados no equipamento.

O presidente da SPD alerta ainda que a diabetes tipo 1, “apesar de começar tipicamente na idade pediátrica, também afecta adultos”. “Atrasando este processo de colocação das bombas híbridas, se não damos uma porta de esperança para as pessoas adultas com diabetes tipo 1, estamos realmente a adiar o acesso a uma terapêutica tão importante como esta”, acrescentou.

João Raposo considerou ainda que estes atrasos têm “um impacto directo na qualidade do serviço prestado na acessibilidade” e pediu maior capacidade para agilizar processos. “Era bom que o processo tivesse evoluído no sentido de acompanhar a agilidade necessária, porque não conhecemos muitas outras áreas na saúde que tenham um processo tão complexo e que se arraste tanto tempo. Na verdade, acabam por defraudar as expectativas das pessoas com diabetes e têm um impacto directo no funcionamento dos serviços de saúde”, afirmou.

Dados divulgados em Maio do ano passado indicavam que, nos últimos 12 anos, tinham sido colocadas 4710 bombas de perfusão subcutânea de insulina.

A Lusa questionou o Ministério da Saúde sobre o andamento do programa de acesso anunciado há cerca de um ano, mas não recebeu resposta em tempo útil. Em Fevereiro, ao PÚBLICO, o Governo disse que prevê lançar até ao final de Março o processo de aquisição de 15 mil bombas de insulina.

Sociedade aponta falhas no diagnóstico

A Sociedade Portuguesa de Diabetologia pediu uma “estratégia coordenada” para a diabetes, que considera “um problema grave de saúde pública”, lembrando que há falhas no diagnóstico precoce e no acompanhamento das complicações.

“Temos falhas desde o diagnóstico precoce das pessoas com diabetes. Teremos 40% de pessoas que vivem com diabetes ainda por diagnosticar, o que significa que não estamos a intervir nas fases precoces e estamos a usar tratamentos mais caros, mas também temos falhas no acompanhamento das complicações [da doença]”, explicou João Raposo.

O responsável disse ainda que o facto de muitas pessoas com diabetes não serem acompanhadas devidamente aumenta o potencial risco de desenvolver situações complicadas de pé diabético e de amputações.

“Na verdade, falamos de vários tipos de rastreio, desde o rastreio da doença propriamente dita até ao rastreio das complicações, onde o rastreio do pé e o rastreio da retinopatia, das complicações oftalmológicas, são claramente áreas onde precisamos de investir com urgência para diminuir o peso daquilo que gastamos na diabetes”, afirmou.

O responsável lembra que as pessoas que não estão diagnosticadas “são provavelmente aquelas pessoas que não recorrem normalmente aos cuidados de saúde primários” e defende que estes utentes sejam “activamente chamados”. “Tem de haver aqui um papel de chamarmos activamente estas pessoas para o sistema de saúde, para preencher um questionário de risco, fazer a análise ao sangue. Não é nada complexo, mas o sistema, a seguir, tem de dar resposta”, disse o responsável, insistindo: “Não podemos baixar a cabeça e abandonar esta luta”.

João Raposo considera “preocupante” a dimensão da diabetes, lembrando que há cerca de 900 mil pessoas diagnosticadas. “Se pensarmos incluir mais de 200.000 pessoas nos próximos anos, compreendemos que, do ponto de vista de uma estrutura de saúde, um Serviço Nacional de Saúde, isso representa um desafio, mas os desafios estão exactamente lá para serem abordados, para se encontrarem as estratégias adequadas”, acrescentou.

João Raposo aponta ainda a necessidade de uma Resolução Nacional para a Diabetes, lembrando que a União Europeia aprovou em 2022 uma resolução europeia em que apela aos Estados-membros para adoptarem as resoluções nacionais. “Se não assumirmos como um desafio nacional, considerando o programa nacional realmente um programa prioritário, com os recursos necessários (…) nada acontece”, considerou o presidente da SPD, apelando à futura Assembleia da República que assuma este problema como “um problema nacional (…) que necessita de recursos e que estes recursos têm de ser alocados”.

Defendendo uma visão integrada da diabetes – “que não existe” –, João Raposo insiste nos “impactos significativos” que a doença tem em toda a organização de cuidados de saúde e nos custos indirectos, muitas vezes esquecidos, como as incapacidades com que os doentes ficam e os apoios de estruturas do Estado, da família e de outros cuidadores.