Pela primeira vez em 60 anos, o Festival da Canção, competição que escolhe o representante de Portugal na Eurovisão, terá um brasileiro entre os finalistas. O carioca Leo Middea, 28 anos, conquistou o júri com Doce Mistério, composição carregada de referências à MPB (Música Popular Brasileira), e garantiu uma vaga na final, no próximo sábado, 9 de Março.
A visibilidade obtida pela canção, contudo, trouxe também ataques racistas e xenófobos contra o brasileiro nas redes sociais. Após divulgar o conteúdo ofensivo de algumas das mensagens, o artista tem recebido também uma onda de solidariedade, incluindo de muitos portugueses.
"Os ataques começaram quando a música foi lançada, em Janeiro. Mas, depois que eu me tornei o primeiro brasileiro em uma final do Festival da Canção, a coisa ganhou outra proporção", afirmou. "Gente falando do meu sotaque como se ele fosse uma coisa nojenta, como se fosse algo que não é bom de escutar. Realmente, coisas muito maldosas."
O cantor e compositor relata que a situação chegou a um nível em que ele já não conseguia ignorar. "Eu estava inseguro sobre expor essa situação, mas depois eu me senti aliviado. Agora eu tenho recebido muitas mensagens de apoio. Eu não sabia o que ia acontecer, mas tem rolado uma onda de amor muito bonita de acompanhar."
Radicado em Lisboa desde 2017, Leo Middea sempre manteve fortes referências ao Brasil no seu trabalho. Por isso, quando foi convidado pela organização do Festival da Canção para apresentar uma composição para o concurso, ele diz que não pensou em alterar o estilo.
"Quando eles me convidaram, eu decidi fazer música como sempre faço, sem me adaptar. Uma música brasileira integrando tudo, como eu sempre fiz aqui em Portugal."
A canção escolhida, Doce Mistério, tinha sido finalizada na véspera do convite. "Achei uma óptima coincidência e resolvi arriscar", diz Middea. Com uma pegada solar, sobre um amor de Verão, a música caiu no gosto do público e dos jurados.
Antes de se dedicar à maratona de compromissos com o festival português, o brasileiro realizou uma série de apresentações em cidades europeias, quase sempre com bilhetes esgotados.
O público, relata, costuma ser bastante diversificado. "Sempre há muita gente do Brasil, eu diria que uns 40%, mas o resto é bem misturado. Muitos portugueses, italianos e espanhóis."Apesar de manter vivas as influências brasileiras, várias das composições do artista envolvem também referências a Portugal, como Lisbon, Lisbon e Freguesia de Arroios. "Eu gosto de criar com aquilo que eu estou vivendo, eu gosto de fotografar os momentos através da música."
Desde que começou a participar do Festival da Canção, o alcance do trabalho do brasileiro aumentou. "Além dos portugueses, tem também muita gente de fora. São pessoas que acompanham de perto a Eurovisão e, por isso, seguem a selecção em Portugal."
O concurso tem agora 12 finalistas, que se apresentarão ao vivo na noite de sábado numa transmissão especial da RTP. A nota dos participantes é composta pela soma da avaliação dos jurados e do voto do público. Em caso de empate na final, a opinião dos espectadores prevalece.
Diante do peso do voto popular para o resultado, os artistas têm caprichado na interacção com o público. Os brasileiros formam a maior comunidade estrangeira em Portugal e, nas redes sociais, diversos conterrâneos têm-se mostrado dispostos a angariar apoio para impulsionar o resultado de Leo Middea na competição.
Dados de Dezembro de 2023 contabilizavam cerca de 400 mil brasileiros legalmente residentes em Portugal, que tem 10,3 milhões de habitantes. Os números reais, contudo, são ainda maiores, uma vez que as estatísticas não incluem quem tem dupla cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia.
O vencedor da competição será o representante de Portugal na 68.ª edição do Festival da Eurovisão, que acontece em Maio na Suécia, país vencedor em 2023.
No ano passado, a representante de Portugal, Mimicat, ficou em 23.ª lugar. Até agora, Portugal só conquistou o troféu uma vez, em 2017, com a canção Amar pelos Dois, interpretada por Salvador Sobral.
Exclusivo PÚBLICO/Folha de São Paulo