Haverá “guerra civil” no Haiti se primeiro-ministro não se demitir, diz chefe dos gangs

A violência continua no Haiti, enquanto Ariel Henry permanece fora do país e sem falar em público. EUA pressionam o chefe do Governo a “acelerar” transição política.

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Jimmy "Barbecue" Chérizier exige a demissão de Ariel Henry como primeiro-ministro Reuters/Ralph Tedy Erol
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A onda de violência no Haiti não dá sinais de acalmia e há receios de que a incerteza em torno da situação do primeiro-ministro Ariel Henry aqueça ainda mais os ânimos. O líder dos gangs que têm espalhado o terror e o caos no país, Jimmy “Barbecue” Chérizier, ameaçou com uma “guerra civil” caso o chefe do Governo não se demita.

Poucos dias depois de ter liderado um ataque contra duas das maiores prisões do país, em que foram libertados milhares de detidos, Barbecue deu uma conferência de imprensa improvisada, durante a qual expôs as suas reivindicações.

“Se Ariel Henry não se demitir, se a comunidade internacional continuar a apoiá-lo, iremos direitos para uma guerra civil que irá acabar num genocídio”, afirmou o antigo polícia transformado em chefe de quadrilha, enquanto envergava um colete à prova de balas e segurava numa metralhadora. “Ou o Haiti se torna num paraíso ou num inferno para todos nós”, declarou.

O actual primeiro-ministro é muito contestado dentro e fora do país e é visto como ilegítimo. Em 2021, pouco depois do assassínio do Presidente Jovenel Moïse, Henry assumiu a presidência interina, prometendo eleições e uma transição política. No entanto, há mais de sete anos que não há eleições no Haiti e o prazo dado pelo próprio Henry para marcar eleições presidenciais não foi respeitado.

Sem dirigentes eleitos, e a sofrer ainda os impactos económicos e humanos do sismo de 2010, o Haiti tem sido tomado nos últimos anos pelos gangs, geralmente mais bem armados que as forças de segurança. Cerca de 80% de Port-au-Prince é controlada por grupos criminosos.

Não se sabe o que poderá acontecer se Henry se demitir ou se “Barbecue” pretende tomar o poder. O líder criminoso chegou a defender a criação de um “conselho de sábios” para governar o Haiti, diz a BBC, mas não há muitos pormenores sobre esta solução.

A situação de Henry é também pouco clara. Na semana passada, saiu do país para se deslocar à Guiana para participar numa cimeira e depois viajou até ao Quénia onde pretendia negociar o envio de uma força policial multinacional para apoiar os esforços de combate ao crime organizado.

Foi durante a sua ausência que os vários grupos criminosos haitianos se uniram sob a égide de Barbecue para atacar duas prisões. O objectivo parece estar a ser em vias de ser alcançado. O Haiti é hoje um país sob sequestro e com um vazio efectivo de poder.

Henry tentou regressar ao Haiti, mas, com o aeroporto de Port-au-Prince sob ataque dos gangs, foi forçado a procurar uma alternativa. Tentou aterrar na República Dominicana, país que partilha a mesma ilha com o Haiti, mas as autoridades locais rejeitaram o pedido. Acabou por aterrar em Porto Rico, onde permanece sem ainda ter reagido publicamente aos acontecimentos dos últimos dias.

O Haiti já era descrito como um país em crise permanente – social, económica, securitária, sanitária, política –, mas é agora na prática ingovernável. “Quem está a controlar? Acho que ninguém está a controlar”, dizia ao Guardian o chefe da missão dos Médicos Sem Fronteiras no Haiti, Jean-Marc Biquet. “E o meu receio pessoal é que os polícias [desistam e digam]: é uma batalha perdida’. Aí o que poderá acontecer? Acho que será o caos total.”

A pressão sobre Henry tem subido de dia para dia. Os EUA apelaram ao primeiro-ministro para que “acelere” a transição política no país para que se reúnam as condições para o envio de uma “missão multinacional de apoio de segurança” e que se “abra caminho para eleições livres e justas”.

O porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, disse que Henry deve “fazer concessões em nome do interesse do povo haitiano”, mas sublinhou que os EUA não estão “a fazer pressão para que se demita”.

A Casa Branca esclareceu que não está a “fornecer qualquer assistência para ajudar o primeiro-ministro a regressar ao Haiti”, segundo a porta-voz Karine Jean-Pierre.

Com o arrastar do impasse, a situação humanitária tende a agravar-se. As Nações Unidas consideram a situação no Haiti “para além de suportável” e estimam que só na última semana mais de 15 mil pessoas tenham sido forçadas a abandonar as suas casas por causa da violência.

Desde o início do ano, foram mortas 1193 pessoas e 692 ficaram feridas em confrontos com gangs. O comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu à comunidade internacional que “aja de forma rápida e decidida para evitar a descida ainda mais acentuada do Haiti para o caos”.

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