O que torna uma espécie vulnerável à mudança do clima? A paleontologia responde

Estudo avaliou o padrão de extinção de invertebrados marinhos desde há 485 milhões de anos e concluiu que as alterações climáticas são mais perigosas para espécies com baixa distribuição geográfica.

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Uma reconstrução de um ecossistema marinho durante o Triásico, antes e depois de um fenómeno de extinção em massa associado a um evento climático Maija Karala
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Numa altura em que muitos cientistas avisam que a humanidade corre o risco de assistir em directo à sexta grande extinção da história da Terra, devido às alterações climáticas e a outros impactos da actividade humana, olhar para o passado do planeta pode ajudar a compreender o que torna uma espécie vulnerável à extinção. Essa foi a empreitada feita pela equipa liderada por Erin Saupe, investigadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A equipa usou 290.000 registos fósseis de espécies de invertebrados marinhos dos últimos 485 milhões de anos para tentar perceber quais as características que as tornaram mais vulneráveis aos variados momentos de alterações climáticas que a Terra sofreu. As conclusões, publicadas nesta quinta-feira num artigo da revista Science, mostram que as espécies com menor distribuição geográfica, as que tinham um tamanho corporal menor e as que já viviam em extremos climáticos ou não sobreviviam a grandes variações de temperatura, eram mais propensas à extinção.

Dos quatro factores investigados, a equipa descobriu que o mais determinante era a distribuição geográfica da espécie. No entanto, os investigadores avaliaram ainda um quinto factor, a variação da temperatura superficial marinha, que serviu para traduzir a magnitude das alterações climáticas ocorridas.

“Todas as características que testámos foram importantes [para o factor de risco de extinção das espécies], mas a descoberta-chave é que se a magnitude local da mudança climática for suficientemente grande, isto leva a um aumento do risco de extinção”, explicam ao PÚBLICO Erin Saupe e Cooper Malanoski, primeiro autor do artigo e também investigador da Universidade de Oxford, numa resposta conjunta por correio electrónico.

A vida prossegue

Os vestígios deixados pelas espécies que já existiram no planeta informam os paleontólogos dos altos e baixos da vida na Terra. Ao longo da história geológica, houve explosões de vida e momentos de grandes extinções. Através dos registos fósseis que se descobrem nos estratos geológicos, é possível identificar espécies que existiam numa determinada época, mas estão desaparecidas no estrato imediatamente mais recente. Ou seja, ficaram extintas.

Há 485 milhões de anos, quando eram vivos os organismos mais antigos que deixaram registos fósseis e integraram este estudo, a Terra vivia no início do período actualmente denominado Ordovícico (485,4-443,8 milhões de anos), o segundo período da era Paleozóica (538,8-252 milhões de anos).

No Ordovícico, os continentes do planeta estavam concentrados no hemisfério sul, sendo o Gonduana o maior deles. As plantas começaram a invadir a terra, mas ainda não existiam plantas vasculares e, quanto a animais, há apenas registos de milípedes (antepassados das actuais marias-café) que esburacavam o solo. Mas no mar a vida pulsava, com braquiópodes, briozoários, equinodermes, trilobites, moluscos e a ascensão dos peixes.

O Ordovícico terminou com um megafenómeno de extinção, relacionado a um grande arrefecimento do planeta. Ao todo, morreram 85% das espécies, segundo a enciclopédia Britannica. Este foi o segundo maior evento de extinção conhecido, a seguir ao cataclismo que iria marcar o fim do Paleozóico.

Mas a vida prosseguiu, as plantas vasculares foram evoluindo ao longo do Paleozóico e deram flores na era seguinte, no Mesozóico (252-65 milhões de anos). Os insectos invadiram os continentes, os peixes diversificaram-se e deram origem aos anfíbios. Depois, vieram os répteis, os mamíferos e as aves. A Terra viu surgir e desaparecer os dinossauros ao longo do Mesozóico, dando uma oportunidade posterior para os mamíferos e as aves dominarem os continentes nos últimos 65 milhões de anos, ao longo do Cenozóico. No entanto, episódios de extinções devido a alterações do clima continuaram a ocorrer.

“Incluímos fósseis que foram descobertos em 81 estágios [geológicos] ao longo dos últimos 485 milhões de anos da história da Terra, por isso o nosso estudo inclui muitos intervalos onde ocorreram aquecimentos e arrefecimentos climáticos”, explicam Cooper Malanoski e Erin Saupe.

Riscos acumulados

A equipa analisou os padrões de extinção para 290.000 registos fósseis pertencentes a 9264 géneros (a categoria taxonómica mais baixa a seguir à espécie, que reúne espécies muito próximas a nível evolutivo), englobados em nove classes de invertebrados marinhos como os gastrópodes, os cefalópodes, os bivalves, as trilobites, entre outros. “Os invertebrados marinhos são adequados à nossa análise porque são vistos como os mais completos e confiáveis componentes do registo fóssil, e pensa-se que as suas áreas geográficas estão próximas da verdadeira tolerância térmica que tinham”, lê-se no artigo.

Os padrões de extinção das espécies foram modelados a partir dos cinco factores já especificados acima: a distribuição geográfica, o tamanho da espécie, o ambiente térmico onde os animais viviam, a variação de temperatura que podiam suportar e, finalmente, a intensidade da alteração climática sofrida, a partir da variação da temperatura do mar, informação obtida através das reconstruções feitas por modelos paleoclimáticos.

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Uma reconstrução de um ecossistema marinho durante o Triásico, antes e depois de um fenómeno de extinção em massa associado a um evento climático Maija Karala

Dos quatro factores intrínsecos das espécies, a área geográfica surge como o maior indicador de extinção “porque esta característica pode emergir a partir dos efeitos de muitos outros factores, incluindo a tolerância climática, a capacidade de dispersão, a disponibilidade de nutrientes, e as interacções bióticas”, sugerem os autores, no artigo.

Uma outra descoberta é que espécies que viviam num intervalo pequeno de temperaturas, de menos de 15 graus Celsius, tinham um risco significativamente maior de se extinguirem durante um fenómeno de mudanças climáticas. Além disso, as espécies que viviam em extremos climáticos, como nos pólos ou no equador, também eram mais vulneráveis. Sobre o tamanho corporal, a comunidade científica ainda debate por que razão as espécies mais pequenas eram as mais vulneráveis. De qualquer forma, “os invertebrados marinhos com tamanhos maiores têm uma tendência para terem rácios metabólicos mais elevados e mais descendência, e há diferenças como a forma como a larvas [daqueles animais] eram dispersas”, apontam os dois autores.

O estudo também mostrou que o risco era cumulativo. Ou seja, espécies que acumulavam duas (ou mais) características negativas, tinham mais risco de se extinguirem. Por cima destes factores intrínsecos às espécies, há a própria intensidade das alterações climáticas. “As espécies que viveram mudanças de temperaturas superiores a sete graus Celsius, ao longo dos estádios geológicos, estavam significativamente mais vulneráveis à extinção”, lê-se no comunicado da Universidade de Oxford sobre o novo trabalho.

Segundo os investigadores, são necessários mais estudos para perceber se a importância destes factores analisados neste trabalho pode ser levada em conta no risco de extinção de outros tipos de animais, como os vertebrados e os animais terrestres, e outras espécies, como as plantas e os fungos. Mas os dois autores defendem que esta informação pode ser importante para a conservação da natureza no contexto actual das alterações climáticas.

“Descobrimos que estas cinco variáveis foram importantes no padrão de extinções observadas no passado geológico. Isto pode sugerir que estas variáveis ainda desempenham algum papel na mediação do risco de extinção actual, juntamente com os factores relacionados com a actividade humana”, defendem Cooper Malanoski e Erin Saupe. “Esperamos que este estudo providencie um enquadramento para a investigação futura para que possamos aplicar directamente estas descobertas na priorização dos esforços de conservação.”