Espanha suspende actividade de empresa que digitaliza a íris a troco de dinheiro

Agência de Protecção de Dados anunciou a suspensão da Worldcoin para “evitar danos potencialmente irreparáveis”. Em Portugal, há já também reclamações sobre a actividade e uma investigação em curso.

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As esferas da Worldcoin chegaram a Portugal em 2022 Reuters/ANTOINE DEMAISON
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A Agência Espanhola de Protecção de Dados (AEPD) anunciou esta quarta-feira a suspensão, por três meses, da actividade da Worldcoin, que recolhe imagens da íris mediante o pagamento de algumas dezenas de euros, com o objectivo de “evitar danos potencialmente irreparáveis”. Em Portugal, há uma investigação em curso.

De acordo com um comunicado desta agência, foi aplicada uma medida cautelar contra a Tools for Humanity Corporation — a empresa por detrás da Worldcoin, que foi co-fundada por Sam Altman, presidente executivo da OpenAI, que está por detrás do ChatGPT — para que “cesse a recolha e o tratamento de dados pessoais” feitos no âmbito do projecto Worldcoin, determinando ainda que os dados já recolhidos sejam bloqueados.

O diário espanhol El País dá nota de que já foram recolhidos dados biométricos de 400 mil pessoas, tendo a agência de protecção de dados já recebido, pelo menos, 13 queixas. Entre os problemas denunciados está a falta de informação sobre a actividade, a recolha de dados de menores ou o facto de o consentimento — que é exigido — não poder ser posteriormente retirado.

“O tratamento de dados biométricos, considerados no Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) como de protecção especial, comporta riscos elevados para os direitos das pessoas, dada a sua natureza sensível”, escreve ainda a Agência Espanhola de Protecção de Dados no comunicado. Por isso, nota, esta suspensão da recolha e tratamento dos dados pessoais tem também o objectivo de impedir que sejam transferidos para terceiros e seja salvaguardado “o direito fundamental à protecção dos dados pessoais”.

Em Espanha, a Worldcoin começou a recolher esses dados em Julho do ano passado em 14 centros comerciais espalhados por todo o país.

Numa reacção à decisão da autoridade espanhola, o responsável pela protecção de dados da Worldcoin, Jannick Preiwisch, considerou que AEPD "está a contornar a lei da União Europeia com as suas acções recentes, que se limitam a Espanha e não à UE, e a divulgar afirmações imprecisas e equivocadas" sobre a tecnologia da plataforma. Disse ainda, numa nota enviada ao PÚBLICO, que a empresa tem estado em contacto com a autoridade de protecção de dados da Baviera, que é "a autoridade supervisora líder nos termos do RGPD para a Fundação Worldcoin e para a Tools for Humanity".

Por cá, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) já disse estar também em articulação com a sua congénere da Baviera, assim como com outras autoridades de protecção de dados da UE. Em Portugal, já terão sido recolhidos dados de 300 mil pessoas desde 2022. Neste momento, há cerca de duas dezenas de bancas do género de norte a sul do país, onde há filas de pessoas à espera de olharem para uma esfera metálica, do tamanho de uma bola de futebol, que usa sensores e inteligência artificial para criar um código numérico que representa a íris de cada pessoa.

A ideia é que este código funcione como um “passaporte digital”, o WorldID, que permite completar transacções financeiras e aceder a várias plataformas online através da app da Worldcoin, a World App. Quem adere ao projecto recebe criptomoedas da organização, as WLD, como recompensa.

“A worldcoin é uma criptomoeda – uma moeda digital, online. Quando te registas, ganhas de caras dez moedas. Cada moeda vale dez euros”, resumia assim um funcionário da Worldcoin aos potenciais utilizadores que esperavam na fila de uma banca da plataforma no Seixal.

Portugal investiga

Enquanto Espanha avança já para a suspensão da recolha — e, ainda que seja temporária pode vir a tornar-se permanente —, as autoridades do Reino Unido, França, Alemanha e também de Portugal já anunciaram investigações à Worldcoin.

“[Já foi feita] uma acção de fiscalização aos locais de recolha de dados, bem como feitas diligências junto das empresas envolvidas no projecto, no sentido de obter informações relativas ao tratamento de dados pessoais”, esclareceu a porta-voz da CNPD, Clara Guerra, num email em resposta a questões do PÚBLICO na terça-feira.

A CNPD confirmou ainda que recebeu queixas relacionadas com a recolha de dados biométricos, que “são especialmente protegidos pelo RGPD, de menores, e está em articulação com outras autoridades de protecção de dados da UE, que também têm cidadãos afectados pelo tratamento de dados pessoais da Worldcoin.

“Até lá, encoraja-se os cidadãos a lerem atentamente as condições do tratamento de dados e a reflectir sobre a sensibilidade dos dados que estão a fornecer”, aconselhou ainda Clara Guerra. com Karla Pequenino

Notícia actualizada às 10h48: Acrescenta reacção da Worldcoin à decisão da autoridade espanhola

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