Redução da poluição do ar poderia poupar até 1,4 milhões ao SNS

Aumento de um mg/m3 na concentração diária de NO2 pode fazer subir em 2,6% o número de internamentos hospitalares de crianças por motivos respiratórios, sugere estudo da Universidade Nova de Lisboa.

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Entre as áreas com maior concentração de NO2 estão, por exemplo, o centro histórico de Lisboa Daniel Rocha
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Um “pequeno” aumento na concentração de um poluente no ar – neste caso, o dióxido de azoto (NO2) – pode ser suficiente para fazer subir o número de internamentos hospitalares infantis por motivos respiratórios. Esta é uma das conclusões de um trabalho, elaborado pela investigadora Mariia Murasheva na Universidade Nova de Lisboa, que estima os custos indirectos da poluição atmosférica em Portugal e reforça a urgência da melhoria da rede de transportes públicos.

O trabalho estima que os custos indirectos destes casos clínicos ascenderam a 830 mil euros em 2018, o que representa 0,1% do orçamento português para a saúde naquele ano. Uma diminuição de um desvio padrão na concentração diária de NO2 poderia levar a uma poupança anual de até 1,4 milhões de euros para o Sistema Nacional de Saúde (SNS), estima Mariia Murasheva.

“As pessoas usam muito o carro em Portugal não só porque vivem e trabalham em diferentes cidades, mas também porque muitas vezes não dispõem de uma rede de transportes públicos eficiente. Embora seja uma decisão politicamente difícil, enfatizamos com este estudo que a aposta numa rede de transportes eficiente e em zonas de baixas emissões é essencial para garantir o bem-estar da população”, explica a cientista ao PÚBLICO por videochamada.

A investigação revela que um aumento de um micrograma por metro cúbico (mg/m3) na concentração diária de NO2 fez subir em 2,6% o número de internamentos hospitalares por motivos respiratórios entre crianças de 2 a 5 anos. Foram consideradas doenças pulmonares específicas como asma, pneumonia e doença pulmonar obstrutiva crónica que exigiram hospitalização entre 1 de Janeiro de 2016 e 31 de Dezembro de 2018.

Um aumento de 2,6% tem relevância em termos estatísticos? “Este resultado possui significância estatística”, afirma Mariia Murasheva, mesmo que “a faixa etária dos 2 aos 5 anos seja um grupo limitado em termos numéricos”.

Estimar NO2 via satélite

Mariia Murasheva quis concentrar-se no dióxido de azoto uma vez que, do ponto de vista económico, o NO2 é “um parâmetro que ainda não tinha sido devidamente avaliado”. “A maior parte da literatura científica nesse domínio concentra-se nas partículas finas PM10 e PM2.5”, recorda a cientista.

Recorde-se que Portugal foi condenado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no ano passado, por não cumprir as regras europeias sobre qualidade do ar ao longo de dez anos. Em causa estava precisamente o facto de o limite das concentrações de NO2 ter sido ultrapassado em Braga, Lisboa e Porto.

Para obter dados relativos à concentração de dióxido de azoto, Mariia Murasheva teve de recorrer a imagens de satélite para colmatar as lacunas existentes na rede nacional de monitorização. Em 2874 freguesias de Portugal continental, há apenas 100 estações de monitorização, lamenta a cientista.

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A investigadora Mariia Murasheva DR

Em 2021, a Organização Mundial de Saúde reviu em baixa as directrizes de qualidade do ar, tendo limitado ainda mais o padrão anual recomendado de NO2. Este poluente é libertado quando combustíveis fósseis como o gasóleo são queimados a altas temperaturas.

Apostar nos transportes públicos

Nas zonas urbanas, as principais fontes de dióxido de azoto são os veículos a combustão. É por isso que a autora argumenta no estudo que, apesar de Portugal ter uma aposta forte nas energias renováveis, há um enorme trabalho por fazer na oferta de uma rede de transportes públicos eficiente e com baixas emissões.

“A frota de carros particulares desempenha um papel importante neste processo porque a rede de transporte público existente é muito ineficiente. No entanto, esta frota tem em média cerca de 13,5 anos, tendo 25% dos automóveis mais de 20 anos e sendo menos de 3% das viaturas particulares eléctricas. Isto reflecte também as grandes desigualdades entre a população portuguesa e a falta de medidas eficazes”, refere o estudo.

As concentrações de NO2 em Portugal variam drasticamente consoante a geografia, podendo ir de um valor muito próximo de zero até 3000 microgramas por metro cúbico. Entre as áreas com maior concentração de NO2 estão, por exemplo, o centro histórico de Lisboa, incluindo a Avenida da Liberdade.

“Esta área possui ruas estreitas, altos níveis de congestionamento nos horários de pico e, ao mesmo tempo, é uma área onde muitos escritórios estão localizados. Portanto, considerando a situação geográfica e dinâmica de tráfego das zonas mais poluídas de Lisboa, a criação de Zonas de Baixas Emissões poderia ser considerada como uma possível intervenção política para diminuir os níveis de NO2, tal como acontece noutras cidades europeias”, lê-se no estudo que, segundo a autora, já foi submetido para publicação numa revista científica.

A investigadora russa realizou este trabalho no âmbito de uma tese de doutoramento, defendida com sucesso, em Fevereiro, na Nova School of Business and Economics (NOVA SBE). Agora, Mariia Murasheva segue para Itália, onde vai ocupar uma posição de post-doc no projecto europeu Jacardi, dedicado às doenças cardiovasculares.