Cientistas prevêem risco de extinção de plantas com flor através de IA

Uma equipa de cientistas conseguiu prever, com inteligência artificial, a extinção de todas as espécies de plantas com flor. O objectivo é ajudar a acelerar a conservação e proteger a biodiversidade.

Clianthus puniceus var. maximus by the entrance to the Duke's Garden
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Clianthus puniceus var. maximus by the entrance to the Duke's Garden Ines Stuart Davidson / RBG Kew
CARICACEAE, Carica jamaicensis, 20041713, a yellow flowering plant from Jamaica
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CARICACEAE, Carica jamaicensis, 20041713, a yellow flowering plant from Jamaica Andrew McRobb / RBG Kew
A flower of Brugmansia sanguinea growing in the Temperate House, RBG Kew 2023
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A flower of Brugmansia sanguinea growing in the Temperate House, RBG Kew 2023 Ines Stuart-Davidson / RBG Kew
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Com recurso à inteligência artificial (IA), um grupo de cientistas previu o risco de extinção de todas as 328.565 espécies de plantas com flor no mundo. A investigação foi publicada esta semana na revista científica New Phytologist e levada a bom porto por uma equipa de cientistas do Royal Botanic Gardens (RBG) de Kew, em Inglaterra, que realizou a experiência pela primeira vez.

Para concretizar a experiência, os investigadores utilizaram um modelo de árvores de regressão aditiva bayesiana (BART, na sigla em inglês), aplicado num conjunto de dados de mais de 53.000 plantas já avaliadas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), para determinar o estado provável das restantes 275.004 espécies não-avaliadas, explica, em comunicado, o RBG.

A UICN funciona como um barómetro sobre o estado de conservação global de espécies animais, fungos e plantas. Foi estabelecida em 1964 e serve como um “indicador crucial da saúde da biodiversidade mundial”, resume a página oficial deste organismo.

Sobre como surgiu o projecto, Steve Bachman, líder de investigação da equipa de Avaliação e Análise da Conservação do RBG de Kew e autor do estudo, conta ao PÚBLICO que, apesar de sabermos “como as plantas são importantes para a saúde do planeta e para a nossa própria sobrevivência​”, é possível ver, através das “observações no terreno e das provas esmagadoras da comunidade científica, que os habitats estão a desaparecer, as plantas estão a ser sobreexploradas e os ecossistemas estão a começar a entrar em colapso”. Além disso, “dispor de dados sobre espécies individuais ajuda-nos a compreender onde se situam as maiores prioridades em termos de conservação e onde a acção tem maior impacto”.​

O autor do estudo reconhece a importância do trabalho da Lista Vermelha, “que é actualmente o recurso mais completo e respeitado para o risco de extinção ao nível das espécies”, mas considera que “infelizmente, grupos ricos em espécies, como as plantas, estão sub-representados”, com apenas 18% de registos e alguns desactualizados. Isto sucede pelo facto de as espécies de plantas serem muitas (mais de 350.000) e o consumo dos dados e tempo para produzir esta informação ser igualmente elevado.

Acelerar “listas vermelhas”

“O nosso grupo de investigação tem procurado formas de acelerar o processo de elaboração de listas vermelhas e também formas de obter uma visão geral do risco de extinção utilizando os nossos conhecimentos actuais. No passado, fizemos várias tentativas para estimar o risco global de extinção — veja os relatórios anteriores sobre o Estado das Plantas do Mundo — e concentrámo-nos em grupos de plantas ou áreas onde dispúnhamos de dados bem organizados”.

A principal diferença desta vez, revela Steve Bachman, “é o lançamento da World Checklist of Vascular Plants, que fornece dados vitais de distribuição e características de todas as plantas vasculares”. “Isto permitiu-nos utilizar as técnicas de aprendizagem automática/IA que tínhamos estado a desenvolver e aplicá-las a todas as espécies”, explica.

O investigador nota ainda que foram excluídas as gimnospérmicas [plantas com sementes] de todas as plantas vasculares, uma vez que estas já estão avaliadas na Lista Vermelha, e os fetos são muito pouco conhecidos e não garantem dados suficientes para os métodos usados pela equipa.

A IA e as plantas em extinção

A nova descoberta, feita por intermédio da inteligência artificial, permite “a qualquer pessoa”, quer seja alguém que escolhe a primeira planta para ter em casa ou então um investigador profissional em biodiversidade, “procurar qualquer espécie online e ver imediatamente se é provável que esteja ameaçada de extinção na natureza e qual o nível de confiança dos cientistas nessa previsão”, revela o comunicado do RBG.

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Previsões do grau de ameaça de espécies de plantas com flor RBG

Steve Bachman, líder de investigação da equipa do RBG Kew e autor do estudo, afirma, citado pelo comunicado, que espera que estas previsões possam “ser utilizadas para que as pessoas as apliquem à sua própria biodiversidade local, a fim de descobrirem se têm uma espécie ameaçada em casa, no jardim ou no parque local que precise de ser protegida”.

A uma escala mais alargada, o autor do estudo acredita que os resultados alcançados “podem ser utilizados pelos cientistas para estabelecer prioridades e acelerar as avaliações da extinção das plantas que identificámos como provavelmente ameaçadas, mas que ainda não foram oficialmente avaliadas pela UICN2”. Ainda assim, o investigador manifesta o desejo de que “possa ser assumido um compromisso para avaliar estas espécies ou que possamos encorajar outras pessoas a efectuar estas avaliações”.

Num passo anterior desta investigação, dado pelo RBG em conjunto com parceiros em Outubro de 2023, revelou que 45% de todas as plantas com flor estão ameaçadas de extinção. Agora, a nova publicação “permite o acesso aos dados em que esta manchete se baseou e o conjunto completo de previsões para espécies individuais”.

“A ambição dos investigadores é que estas previsões tenham um valor científico imediato, tornando a conservação das plantas mais acessível e cativante para um público mais vasto, de modo a que a biodiversidade possa ser urgentemente protegida”, lê-se no comunicado.

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A espécie Angraecum sesquipedale é apelidada de "Orquídea de Darwin" Ines Stuart Davidson / RBG

O investigador Steve Bachman explica ainda ao PÚBLICO que foram utilizadas diversas abordagens diferentes para estimar o risco de extinção das plantas, como técnicas de regressão e correlação e que muitas vezes, há a necessidade de “fazer algumas suposições sobre os dados e o tipo de abordagem de modelação”. “Independentemente do método, a qualidade dos dados que estão a ser utilizados para as previsões, tais como a dimensão da área ou o nível de impacto humano, terá uma forte influência nos resultados”, assegura.

O papel importante das plantas

O RBG destaca ainda que, com vista a atingir os objectivos globais estabelecidos na Convenção sobre a Diversidade Biológica, é necessário entender qual é o estado actual das plantas, tendo em conta que as espécies “desempenham um papel vital no apoio a ecossistemas saudáveis e resilientes”.

Steve Bachman, autor do estudo, explica que, actualmente, não existem avaliações formais para a maioria das espécies vegetais e “cada perda silenciosa de uma espécie compromete a nossa capacidade de responder aos desafios futuros. A nossa cobertura abrangente de avaliações para todas as plantas com flor aumenta a consciencialização para cada espécie individual, mas especialmente para as espécies que prevemos estarem ameaçadas”.

A equipa de Avaliação e Análise da Conservação de Kew contribui com “milhares de avaliações formais do risco de extinção” para a Lista Vermelha da IUCN e realiza investigação sobre as “incógnitas” do risco de extinção de plantas, tais como quais as espécies que poderão estar em risco e onde estão concentradas.

Uma vez que o estado das espécies pode variar e melhorar ou piorar, conforme as situações, é essencial que “os cientistas actualizem regularmente esta avaliação de base com novas versões para garantir que estão a fornecer previsões precisas e úteis”. Além disso, também permite disponibilizar informação o mais actual possível ao público.

O impacto para a conservação da natureza

“Pela primeira vez, dispomos de uma previsão do risco de extinção que cobre de forma abrangente um grande grupo de plantas — as plantas com flor”, nota Steve Bachman ao PÚBLICO.

“Reconhecemos que estas previsões não são equivalentes às avaliações publicadas na Lista Vermelha da IUCN, mas, nos casos em que não exista outra avaliação do risco de extinção baseada em provas, as nossas avaliações podem ser utilizadas para ajudar a dar prioridade aos esforços de conservação”, esclarece o cientista.

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A Nymphaea thermarum é o nenúfar mais pequeno do mundo Paul Little / RBG

“As previsões também podem funcionar como uma triagem útil quando se inicia um projecto de avaliação da Lista Vermelha”, acrescenta. Neste caso, as espécies ameaçadas previstas são priorizadas para avaliação em primeiro lugar, e as espécies não-ameaçadas “podem deixar de ser consideradas uma prioridade ou rapidamente avaliadas utilizando processos automatizados, contribuindo, em última análise, para a inclusão de mais plantas na Lista Vermelha da IUCN”.

O processo de investigação

As previsões do risco de extinção para todas as 328.565 espécies de plantas com flor estão disponíveis e podem ser consultadas gratuitamente através da plataforma Plants of the World Online, integrada no site do Kew Gardens. Aqui, é possível perceber se se prevê que as espécies estejam ou não ameaçadas.

"Ser classificada, particularmente como Ameaçada ou Criticamente Ameaçada, pode mudar literalmente o destino de uma planta, uma vez que, quando o seu risco de extinção é conhecido, pode ser dada prioridade à sua conservação”, considera Eimear Nic Lughadha, Investigadora Principal em Avaliação e Análise da Conservação no RBG Kew e também autora do estudo.

Posto isto, na ausência de avaliações provenientes da Lista Vermelha da IUCN para todas as espécies de plantas, as previsões desta equipa de cientistas vão fornecer uma “indicação realmente útil” sobre as espécies mais susceptíveis de serem ameaçadas de extinção e, pela primeira vez, está garantido um nível de confiança na previsão de cada espécie, relata a investigadora, citada pelo comunicado da RBG.

Steve Bachman confessa que a expectativa que tinha sobre o nível de precisão que poderiam obter com este modelo “era bastante baixa” antes de iniciarem este projecto, uma vez que “trabalhar com todas as espécies de plantas com flor significava que tínhamos um conjunto mais pequeno de factores de previsão para escolher” e nunca tinham tentando algo a esta escala.

Contudo, quando os primeiros resultados começaram a chegar, a reacção foi precisamente a contrária, descreve o investigador ao PÚBLICO: “Ena, funcionou mesmo!...” Relativamente aos aspectos menos surpreendentes, refere o facto “de o tamanho da área de distribuição ser o factor mais importante na determinação do risco de extinção nas plantas, o que tem sido um factor comum em todos os nossos estudos anteriores”.

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A espécie Ramosmania rodriguesii é conhecida por "café marron" Paul Little / RBG

As próximas etapas

Uma vez que todas as investigações têm sempre mais caminho para fazer, o processo de investigação não fica por aqui, confirma Steve Bachaman. “Nenhum modelo é perfeito, por isso queremos estudar os casos em que o modelo não está a prever a categoria correcta e compreender por que é que o modelo fez uma classificação errada”, diz.

Além disso, o investigador menciona outros objectivos da equipa. “Queremos explorar os casos em que o modelo teve dificuldade em decidir se a espécie estava ou não ameaçada, espécies que assinalámos como ‘não-confiáveis’. Também queremos actualizar o modelo à medida que novos dados ficam disponíveis”, tendo em conta que são adicionados regularmente novos dados sobre plantas à Lista Vermelha.

A equipa de cientistas não esquece as plantas sem flor e o investigador conta que já começaram a pensar em “aplicar estas técnicas a outros grupos, por exemplo, os fungos”. Fica, para já, a garantia: “Há muitos mais desafios neste domínio, mas os resultados iniciais são prometedores.”

Texto editado por Andrea Cunha Freitas