A violência obstétrica é já “um problema de saúde pública”: “É uma pandemia”

Num workshop que assinalou o aniversário do PÚBLICO, a advogada Mia Negrão alertou que a violência obstétrica pode afectar toda a família.

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A advogada Mia Negrão Inês Ventura
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Mia Negrão não teve meias-palavras: a violência obstétrica é já “um problema de saúde pública” e afecta muitas mulheres em Portugal. Num workshop que assinalou o 34.º aniversário do PÚBLICO, dedicado às mulheres, a advogada que trabalha sobre o tema da violência obstétrica explicou que este tipo de abuso acaba por não ter apenas impacto na saúde da mulher, mas também em toda a família. “As mães [que sofrem violência obstétrica] são mães menos capazes de criar uma relação com o seu bebé”, assinalou.

O título do workshop era claro “O impacto da violência obstétrica na saúde das mulheres” e levou cerca de 30 participantes – quase todas mulheres – a uma sala da Culturgest, em Lisboa, para ouvir a discutir um tema que não é ainda assim tão falado.

Começando pelo início de tudo: o que é a violência obstétrica? Mia Negrão arrancou com uma definição muito geral, referindo que este tipo de violência “pode ser definido como a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissionais de saúde”. Logo de seguida acrescentou que também pode ser da responsabilidade de instituições de saúde, exemplificando que a Direcção-Geral da Saúde (DGS), durante a pandemia de covid-19, indicou que mães e recém-nascidos não podiam “fazer contacto pele com pele”. “Aqui a DGS praticou violência obstétrica”, notou.

Para justificar que é um problema bem maior do que pode parecer, a advogada assinalou: “A violência obstétrica tem impacto na saúde das famílias. Quando temos uma mãe maltratada, temos uma mulher que fica com um trauma.” Mia Negrão referiu que uma mulher com uma depressão pós-parto vai degradar a relação com o seu companheiro, porque não se sente bem com ela própria e até o pode culpar pelo que aconteceu.

Mais: essa mulher pode ser incapaz de cuidar do bebé, ficar com uma má relação com o seu corpo ou com receio de ter mais filhos no futuro. A advogada também indicou que tudo isto pode levar a um decréscimo da taxa de natalidade ou a um aumento do número de pessoas com doenças ligadas a uma não-amamentação, que a mãe deixou de fazer por ter ficado com uma depressão ou outros problemas. “Tudo isto leva a que seja considerado um problema de saúde pública”, afirmou, notando que é “uma pandemia”.

Ainda há um longo caminho pela frente e Mia Negrão destacou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) nunca usou a expressão “violência obstétrica”, preferindo falar em abusos, desrespeitos ou maus tratos. A advogada assinalou que a OMS tem vindo a falar do assunto e mostrou um estudo que indica que mais de um terço das mulheres é maltratada no parto em instituições de saúde. Referiu ainda que “há países que assumem formas mais bárbaras de violência obstétrica do que Portugal”.

Quanto à Ordem dos Médicos, realçou que tem estado a discutir este tema há uns anos, mas que no fundo tem dito que “a violência obstétrica não se aplica em Portugal, acontecem algumas coisas. Uma posição diferente do Conselho da Europa, que reconhece a violência obstétrica e ginecológica, assinalando que é “um reflexo da sociedade patriarcal” e que acontece não só na sala de parto, mas também em consultas de vigilância de gravidez ou no consultório médico. Nesse sentido, é uma violência que pode ocorrer com toques vaginais ou intervenções dolorosas sem anestesia.

Por tudo isto, pediu que se combata a violência obstétrica “trazendo o assunto para a discussão pública”. “Não tenham medo”, apelou. Para se combater o problema, notou que se pode incentivar as vítimas a reclamar ou a apoiar iniciativas legislativas que visem responsabilizar profissionais de saúde e instituições pela prática de violência obstétrica.

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