A exclusiva responsabilidade dos intervenientes
Nos tempos de antena de agora, os partidos só podem esperar que algum dos seus esforços se torne viral, por acidente ou por desígnio.
Não é difícil imaginar que há, digamos, 40 anos, o tempo de antena televisivo na RTP tivesse audiências e fosse uma arma relevante para captar votos. Nas eleições legislativas de 1983, era uma meia-hora diária encaixada entre o telejornal e a telenovela – “Origens”, de Francisco Nicholson e Nicolau Breyner, era a que estava no ar – em que três partidos tinham dez minutos de cada vez para se dirigirem aos portugueses. Tinha a música de genérico (retirada de uma colectânea de músicas para genéricos), separadores de cartão, um relógio no canto superior direito do ecrã a fazer a sua aparição nos últimos segundos e a indispensável mensagem a avisar que tudo aquilo era da “exclusiva responsabilidade dos intervenientes”.
Audiência maximizada pelo horário (e pela falta de opções) e telespectadores motivados por fazerem parte de uma democracia jovem. Agora, os partidos só podem esperar que algum dos seus esforços se torne viral, por acidente ou por desígnio. O “Isto é Gozar Com Quem Trabalha” tem feito esse trabalho, extraindo alguns dos momentos mais bizarros dos curtos tempos de antena que vão aparecendo diariamente nos três canais generalistas.
Como o teatro escolar do Alternativa 21 e os seus diálogos à volta de um tabuleiro de xadrez. Ou as dificuldades de som e iluminação nos monólogos dos seus candidatos num miradouro em Lisboa – e a aparição ocasional de turistas com telemóveis. Como a narrativa da Iniciativa Liberal, a recuperar os dramas da imigração portuguesa para o presente. Como o pastor evangélico brasileiro da poupa gigante a apelar ao voto no ADN. Mas estes tempos de antena têm, na generalidade, pouco potencial viral.
Há uns mais bem-feitos que outros. AD, PS, CDU, BE, PAN, IL, Livre e Chega, têm bons valores de produção, cada um com as suas idiossincrasias. Na AD, todos tratam o líder pelo nome próprio, o Luís isto, o Luís aquilo. No PS, Pedro Nuno Santos fala como se fosse “spoken word”, a bater no hip-hop (mas precisava de outro beat). O BE também tem o seu teatro (mais bem feito) de povo vs. capitalismo selvagem - e um relato de um esquerda vs. direita em futebol. Livre, PAN e CDU apresentam-nos tempos de antena feitos de gente dos seus quadros e gente que conta a sua história. O Chega é só o seu líder, bandeiras portuguesas e tachos.
Depois vêm os outros, os “pequenos”, aqueles que não têm representação parlamentar, com as suas imagens descarregadas em arquivos gratuitos e discursos com “soundbytes” – esperam eles – impactantes. O Volt Portugal, que é um franchise de um partido com várias dependências na Europa, tem a sua líder a falar para um microfone, a Nova Direita tem a sua líder em grande plano, com livros atrás (alguns sobre hotéis de luxo), a falar para o que parece ser um telemóvel (até ver, tem sido sempre o mesmo discurso), o partido anteriormente conhecido como PNR, que é de extrema extrema-direita, usa bancos de imagem gratuitos (quase todas as imagens são de outros países) e discursos empoeirados.
De Alternativa 21 e ADN já o Ricardo Araújo Pereira falou, mas não falou do RIR, que mostra mais o seu fundador do que a sua candidata, do Nós, Cidadãos e do JPP, que têm os seus sortidos de candidatos, frases genéricas e músicas sem grande potencial virulento. Já o PCTP-MRPP, sempre com a Internacional em som de fundo, não foge à tradição de candidatos a falarem para a câmara da queda do capitalismo, como faria Arnaldo de Matos. Do PTP, zero – é o único partido ou coligação dos 18 que estão no boletim sem qualquer minuto de tempo de antena.
Nos anos 1980 apareciam Júlio Isidro, Rui Veloso, Simone de Oliveira e outras celebridades daquele tempo (que continuam a ser deste). E tínhamos os tempos de antena no “Tal Canal”, com um discurso de Oliveira Casca, seguido da oposição, da oposição à oposição, da oposição à oposição da oposição e por aí fora. Nesse tempo, como agora, era tudo da “exclusiva responsabilidade dos intervenientes”.