A poluição atmosférica não é uma linha constante. Se pensarmos na concentração de partículas suspensas no ar como uma paisagem, teremos planaltos mas montanhas também. E estes “picos” são mais perigosos do que pensávamos: todos os anos, mais de um milhão de mortes prematuras ocorrem no mundo devido à exposição de curto prazo a um tipo de partículas finas, sugere um estudo publicado esta terça-feira na revista Lancet Planetary Health.
“O nosso estudo é o primeiro a estimar a carga de mortalidade global associada à exposição de curto prazo (diária) à poluição atmosférica. Ao contrário de estudos anteriores, que se concentraram principalmente na exposição a longo prazo (anual), damos uma visão mais completa das implicações imediatas para a saúde, melhorando assim a compreensão geral do impacto da poluição do ar nas taxas de mortalidade”, explica ao PÚBLICO o co-autor Yuming Guo.
Yuming Guo, professor de Saúde Global na Universidade de Monash, na Austrália, sublinha que a maioria dos estudos publicados até agora concentra-se em grandes cidades onde os níveis de poluição são consistentemente elevados. No artigo da Lancet Planetary Health, os cientistas preferiram olhar para os tais picos de poluição, fenómenos causados por incêndios, poeiras e outras emissões atmosféricas extremas (mas intermitentes) em cerca de 13.000 cidades e aldeias internacionais.
Os autores consideram como exposição de curto prazo a presença humana numa área urbana onde os picos de poluição se estenderam por horas ou, no máximo, alguns dias, entre 2000 e 2019. Foram analisadas apenas as PM 2,5, partículas assim chamadas porque não excedem os 2,5 micrómetros de diâmetro. Estes poluentes provêm de várias fontes, incluindo os veículos com motores de combustão e os grandes incêndios florestais.
“É inesperado que a percentagem de mortes relacionadas com a poluição atmosférica diária tenha permanecido quase inalterada entre 2000 e 2019. Isto indica que a proporção de mortes causadas pela poluição atmosférica diária não melhorou ao longo do tempo. É óbvio que precisamos de tomar mais medidas para diminuir os efeitos da poluição atmosférica na saúde das pessoas”, alerta Yuming Guo.
Os autores argumentam que o estudo apresenta “provas convincentes” de que os picos de poluição de curta duração contribuem significativamente para a carga de mortalidade global. Dessa forma, exortam os governos a agir reforçando as redes de transportes públicos, incentivando a aquisição de veículos eléctricos através de subsídios, promovendo as energias limpas e protegendo as populações durante os períodos críticos.
“Quando a poluição do ar fica muito forte de repente, é um grande perigo para a saúde. Precisamos de ter cuidado e tomar medidas para nos proteger. Ligar purificadores de ar, usar máscaras faciais e permanecer em casa quando a poluição é alta pode ajudar a reduzir a probabilidade de adoecer. Isto é muito importante, sobretudo para os idosos, pessoas com doenças crónicas, crianças e grávidas, uma vez que são mais vulneráveis que os demais”, acrescenta o professor da Universidade de Monash.
Os cientistas verificaram que mais de um quinto (22,74%) do total de mortes prematuras ocorre em zonas urbanas. A Ásia é de longe o continente mais afectado (65,2% da mortalidade global atribuíveis à exposição a partículas do tipo PM 2,5), seguida da África (17%), da Europa (12,1%) e das Américas (5,6%).
A carga de mortalidade foi mais elevada em áreas populosas e altamente poluídas na Ásia Oriental, no Sul da Ásia e na África Ocidental, com a fracção de mortes atribuíveis à exposição a curto prazo às PM 2,5 na Ásia Oriental sendo mais de 50% superior à média global, destaca uma nota de imprensa da Universidade de Monash.
A análise dos dados de 13.000 localidades, referentes aos vinte anos de emissões (2000-2019), exigiu não só grande capacidade computacional, mas também recursos humanos especializados em big data.
“Encontrámos vários desafios. Em primeiro lugar, existe uma necessidade premente de uma ampla capacidade de armazenamento para acomodar os vastos volumes de dados envolvidos. Além disso, a análise e o processamento desse conjunto colossal de informação exigem a utilização de recursos computacionais poderosos (supercomputadores). Por fim, a gestão eficaz da natureza complexa dos sistemas de big data requer competências e conhecimentos que só profissionais bem versados neste domínio têm”, explica Yuming Guo, numa resposta por email.