Dúvida: onde deitar fora termómetros antigos com mercúrio?
Não há sistemas de recolha para termómetros antigos de mercúrio em Portugal. Apesar de o metal pesado ser altamente tóxico, termómetros partidos são tratados como um resíduo urbano comum.
Onde deitar fora termómetros de mercúrio? Ana Antanaityte, uma fotógrafa de 39 anos, procura há muito uma resposta para esta pergunta. Já contactou diferentes entidades que gerem resíduos no país, mas todos os esclarecimentos lhe pareceram evasivos ou mesmo inadequados. Questiona-se como pode um metal pesado, perigoso para a saúde humana e ambiental, ser deitado no “lixo comum”. Em Portugal, contudo, é mesmo esse o destino destes resíduos perigosos domésticos.
“Não há sistemas de recolha para termómetros de mercúrio em Portugal. Aliás, numa perspectiva mais alargada, não há sistemas de recolha de resíduos perigosos de origem doméstica, onde se incluem os tais termómetros, agulhas, solventes, etc. Quando contactadas, as câmaras (quando respondem) dizem que têm de ser colocados no lixo comum”, explica ao PÚBLICO Rui Berkemeier, engenheiro ambiental e especialista em resíduos da associação ambientalista Zero.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) confirma que “os termómetros de mercúrio dos cidadãos são considerados resíduos urbanos” e que, como tal, devem ser as entidades gestoras “a garantir a sua correcta gestão”. E acrescenta, numa resposta enviada ao PÚBLICO, que “Portugal não dispõe de nenhuma instalação para a eliminação de mercúrio”, mas “dispõe de instalações de armazenagem antes do seu envio para tratamento no exterior”.
Por outras palavras, ao mesmo tempo em que a APA afirma que os termómetros de mercúrio são tecnicamente classificados como lixo comum, podendo em teoria ser depositados nos contentores normais de lixo indiferenciado, também afirma que cabe às empresas que gerem os resíduos “garantir a sua correcta gestão”. Não havendo campanhas ou pontos de recolha destes objectos, o ónus de alertar para a existência de um resíduo perigoso parece recair sobre os ombros do cidadão.
Ana Antanaityte tentou contactar a Câmara de Cascais através do atendimento ao cidadão. Esta cidadã lituana, que se mudou há cerca de dois anos para Portugal, obteve a seguinte resposta (à qual o PÚBLICO teve acesso): “Não existe em Portugal um fluxo específico para este tipo de resíduos”. O esclarecimento encorajava, contudo, um descarte responsável uma vez que se tratava de um “metal altamente tóxico”, sugerindo como possíveis soluções a entrega em “algumas” farmácias ou o contacto com a Ambicare.
A fotógrafa de 39 anos escreveu para a Ambicare, que respondeu a informar que não só inexistia em Portugal um programa de colecta deste tipo de resíduo, mas também que a entidade já não tratava qualquer tipo de resíduo com mercúrio, à excepção das lâmpadas.
No que toca às farmácias, ao que o PÚBLICO pôde apurar, estes estabelecimentos não estão preparados para receber termómetros de mercúrio. Existe actualmente um projecto que dá resposta a um outro tipo de resíduo doméstico perigoso — dispositivos com agulhas —, sendo que resíduos com o metal pesado não estão abrangidos pela iniciativa.
“O projecto Seringas Só No Agulhão tem como objectivo oferecer uma resposta acessível, eficaz e sustentável à necessidade de recolher os mais de 250 milhões de corto-perfurantes utilizados, anualmente, pelos cidadãos que tomam medicamentos injectáveis, nomeadamente os cidadãos diabéticos. Não está por isso preparado para tratar e recolher resíduos com mercúrio”, esclarece uma nota da Associação de Farmácias de Portugal enviada ao PÚBLICO.
Termómetros proibidos
Rui Berkemeier acredita que esta falta de resposta pode estar ligada ao facto de a produção e a comercialização de termómetros em Portugal estar proibida há 15 anos. Sendo estes produtos cada vez mais raros, as entidades responsáveis podem não considerar relevantes a organização de campanhas de recolha destes resíduos domésticos perigosos.
A utilização de termómetros de mercúrio está impedida na União Europeia desde Abril de 2009, sendo que, dois anos antes, já estava proibida tanto a produção como a comercialização. Portugal transpôs há um quarto de século a directiva europeia que previa a substituição gradual desses dispositivos de saúde.
A lei publicada em Agosto de 1990 era muito clara sobre a importância de um plano de recolha: “Promover a recolha selectiva de termómetros de mercúrio e seus resíduos, nomeadamente no interior das unidades de saúde, através da utilização de ecopontos nas unidades hospitalares, de equipamento específico para a recolha do mercúrio derramado, e facultar a sua valorização ou eliminação adequadas”. Estas recomendações não chegaram a sair do papel no que toca aos termómetros domésticos.
A legislação abrangia não só os termómetros, mas também amálgamas dentárias, lâmpadas, acumuladores e pilhas. Precisamente porque as pilhas antigas continham o metal pesado, há quem pense que o Electrão – entidade que recolhe baterias, entre outros resíduos – está capacitado para receber objectos com mercúrio também. Mas não é verdade.
“Os termómetros não são pilhas nem baterias, pelo que estão fora do âmbito deste tipo de resíduos. Não devem ser descartados no contentor das pilhas, ou de quaisquer outros resíduos, pois podem partir-se e contaminar o recipiente e os resíduos, sendo perigoso para a saúde e para o ambiente”, esclarece uma nota do Electrão enviada ao PÚBLICO.
Já os termómetros digitais, que estão livres de mercúrio, integram a lista de equipamentos eléctricos ou electrónicos que podem ser entregues nos locais de recolha do Electrão.
O PÚBLICO contactou ainda uma das diferentes empresas intermunicipais responsáveis pela gestão de resíduos urbanos, a Lipor, que adiantou não ter “um procedimento implementado para a gestão deste fluxo”, a exemplo do que acontece noutras partes do país. A nota enviada ao PÚBLICO abre, contudo, uma porta para uma possível solução em 2025.
“Com o Novo Regime Geral da Gestão de Resíduos, os sistemas de gestão de resíduos, como a Lipor, têm até 1 de Janeiro de 2025, para assegurar uma recolha selectiva deste tipo de resíduos, pelo que nos iremos adaptar para poder oferecer ao cidadão a melhor solução para o seu encaminhamento”, lê-se no documento.
Ana Antanaityte considera urgente a criação desse sistema de recolha selectiva, caso contrário “as pessoas deitarão no lixo ou na sanita, o que significa a terra ou o oceano, e então o mercúrio voltará para nós através da comida e da água”. Por falta de informação ou resposta, muitos cidadãos não seguem o exemplo de alguns amigos da fotógrafa, que têm até hoje guardadas bolinhas de mercúrio num recipiente porque se recusam a atirar o metal tóxico num contentor indiferenciado. Talvez no ano que vem já possam encaminhar este resíduo perigoso para um local seguro.