Isabel Rato celebra com Vale das Flores o 25 de Abril e o Dia da Mulher
Pianista e compositora Isabel Rato traz para a área do jazz canções de José Afonso, Sérgio Godinho e Pedro Abrunhosa, a par de tradicionais portugueses.
Por altura da edição do disco Luz, em 2022, escreveu Nuno Catarino no PÚBLICO que Isabel Rato “não se limita a revisitar a tradição, fá-lo com originalidade, vai ao passado pegar em ideias para as transformar em algo novo”. E foi isso mesmo que esta cantora e pianista que é também professora de piano no Hot Clube fez, não só nos discos anteriores, como Para Além da Curva da Estrada (2016) ou Histórias do Céu e da Terra (2019), mas também em Vale das Flores, disponível a partir desta segunda-feira nas plataformas digitais e nas lojas, em CD.
O novo disco, com o qual Isabel pretende celebrar duas datas, o Dia da Mulher (8 de Março) e os 50 anos do 25 de Abril, já estava nos seus planos há muito, como dizia agora ao PÚBLICO: “Era algo que eu queria muito fazer, um disco só de música portuguesa, conjugando canções tradicionais com o repertório dos nossos cantautores. Entretanto, houve aqui uma coincidência feliz, não só com 2024, ano das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, mas com o facto de ter ganho uma bolsa da SPA que fez com que fosse possível fazer este disco agora.”
O disco foi gravado com o seu quinteto: Isabel Rato (piano, arranjos), João David Almeida (voz), João Capinha (saxofones, clarinetes), João Custódio (contrabaixo) e Alexandre Alves (bateria). E inclui versões de temas de José Afonso (Era um redondo vocábulo, Que amor não me engana e Cantigas do Maio), Sérgio Godinho (Liberdade, A barca dos amantes) e Pedro Abrunhosa (Manhã, escrita para ser cantada — e gravada — por Carlos do Carmo), dois temas do cancioneiro tradicional português (Cantiga bailada e Olha o velho, olha o velho) e um original, Balança, composto por João Capinha a partir de um poema de José Saramago.
“O Redondo vocábulo é o meu tema preferido do José Afonso”, diz Isabel. “A interligação entre o poema (supermisterioso), a harmonia e a melodia deu um tema fantástico. E foi escrito enquanto ele estava preso em Caxias. Já andava há muito tempo para tocar este tema e trazê-lo para o nosso quinteto.” Canta-o João David Almeida. Já Que amor não me engana conta com a participação de Cuca Roseta (voz), de Marta Pereira da Costa (guitarra portuguesa) e do Quarteto Arabesco (cordas): “São duas artistas que homenageiam a nossa cultura e este arranjo foi construído a pensar nelas e no quarteto. Tentei dar o meu melhor.”
O Quarteto Arabesco participa em mais dois temas: Manhã e A barca dos amantes. “A Barca é um tema que já ouço há muito tempo, na verdade. Está no disco Coincidências e eu o João David Almeida, o cantor, já o tocávamos num projecto que temos em duo e resolvemos trazê-lo para aqui. É um tema extraordinário”. Gravar e incluir no disco a outra canção de Sérgio Godinho, Liberdade, foi também o concretizar de um desejo antigo, diz a pianista: “Sempre que ouvia o Liberdade, dizia que tinha de fazer um arranjo para um dia tocar aquele tema. Tem uma mensagem altamente profunda e sempre actual e é uma canção fantástica.”
Para escolher os temas, Isabel diz que andou a ouvir muita música, em particular temas tradicionais. Daí a Cantiga bailada, da Beira Baixa, cantada pela Ana Bacalhau. “Escolhi-a por ser uma canção muito forte e comecei logo a visualizar uma colaboração com essa grande cantora. Eu já a ouvia a cantar isso, antes mesmo de a ter convidado”, diz Isabel. Quanto ao tema original, Jangada, tem também uma história por detrás, recorda a pianista: “O João Capinha, que além de ser um grande saxofonista é um grande compositor, ganhou com este tema o 1.º Prémio do Concurso Internacional de Composição de Leiria, em 2022, na categoria de jazz. Acho que foi ele que lançou a ideia de o incluir neste nosso disco e eu disse logo que sim. É uma peça lindíssima, composta sobre um poema de José Saramago, Jangada, que está integrado no livro Poemas Possíveis, editado em 1966. E fez todo o sentido incluí-lo aqui.”
Dos nove temas do disco, seis têm arranjos de Isabel Rato e três são do também pianista e compositor Luís Barrigas (marido de Isabel). “Gosto muito do que ele escreve, enquanto compositor, e acaba por ser uma parceria que vai sempre acontecendo. Até porque temos gostos muito semelhantes.” A escolha da segunda-feira para o lançamento teve uma razão: “Eu queria que o disco saísse por altura do Dia da Mulher, na sexta. Mas como deve haver muita coisa nesse dia, quisemos lançá-lo no início da semana. Porque tendo ligação com o 25 de Abril, queria muito associá-lo ao Dia da Mulher e às lutas pela igualdade de género.”
Lançado também em CD pela Editora Nischo, Vale das Flores vai ser apresentado ao vivo em vários concertos, já este mês. No dia 17 de Março, estará em Lisboa, na Casa do Comum, no Bairro Alto (17h) e no 24 de Abril, também em Lisboa, na Igreja de São Pedro de Alcântara (20h), numa programação do Hot Clube, onde Isabel é também professora de piano. No dia 9 de Maio, estará no Festival Amadora Jazz e no 15 de Junho em Coimbra, no Salão Brazil.