Agora, sim. Trinta anos depois, Portugal volta a enviar um satélite para o espaço
Satélite Aeros descolou a bordo do foguetão da SpaceX na noite desta segunda-feira. Aparelho português vai vigiar o oceano Atlântico durante os próximos três anos.
Portugal regressa ao espaço. É apenas a segunda vez que podemos escrever que há um satélite português a caminho do espaço – a primeira já foi em 1993, com o PoSat-1 há mais de 30 anos. A partida do satélite Aeros na noite desta segunda-feira inaugurou aquela que pode ser a nova era espacial portuguesa, com a previsão de lançar 30 satélites até ao final de 2026.
Tudo correu bem e até antes do previsto. O Aeros entrou em órbita esta noite de segunda-feira, antes das 22h59 (hora de Portugal continental) previstas – o que estragou ligeiramente a celebração de quem estava a ver a transmissão e acabou por não ver esse momento. Por essa altura, já tinha passado quase uma hora desde a descolagem do satélite português da base de Vandenberg, na Califórnia, de onde saiu a bordo do foguetão reutilizável Falcon 9, da SpaceX – um momento que pôde ser visto na transmissão da SpaceX (o Aeros é o segundo satélite a sair, dos 53 que vão a bordo do foguetão norte-americano).
Às 22h05, a contagem decrescente terminará no centro tecnológico Ceiia, em Matosinhos, povoado por cerca de 300 pessoas à espera desse momento. A essa hora o foguetão da SpaceX levantou voo, dando boleia ao pequeno satélite português. Em Portugal, à distância de um oceano, boa parte da equipa esteve a acompanhar em directo – na expectativa de que nada falhe. Entre os convidados para esta sessão de suspense está Manuel Heitor, antigo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (de 2015 a 2022) – e cujo legado é a aposta nas actividades espaciais, inclusive com a criação da Agência Espacial Portuguesa, em 2019. No evento em Matosinhos está também o actual ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva – mimetizando a presença de Luís Mira Amaral, ministro da Indústria e Energia na altura do lançamento do PoSat-1.
Não há quase ninguém sem o telemóvel na mão e braços ao alto, à espera de registar aquele momento em que o relógio atinge zero segundos na contagem decrescente. A subida do foguetão Falcon 9 trouxe gritos, aplausos e abraços entre quem estava no Ceiia. “Isto é inacreditável”, ouviu-se. As rondas de aplausos surgem em intervalos de 30 segundos. É o satélite “construído de A a Z em Portugal”, como foi referido ao longo da noite no Ceiia.
O Aeros tem ainda outro nome, um código: MH-1. A surpresa reservada para o dia do lançamento era uma homenagem ao antigo ministro Manuel Heitor por parte do Ceiia: MH-1 é mesmo Manuel Heitor-1. A referência deve-se sobretudo ao apoio e investimento de Manuel Heitor neste campo, quer antes quer durante o seu mandato à frente da ciência portuguesa. No seu discurso, faltava ainda uma hora para a descolagem, o ex-ministro sublinhou a importância do reforço das parcerias internacionais com as universidades norte-americanas, repetindo várias vezes o mote “pensar o futuro para construir o presente”. No palco, recebeu uma réplica do satélite com as suas iniciais e, no instante seguinte, uma prolongada salva de palmas.
O satélite é o resultado de um enorme consórcio português – com uma ou outra “mãozinha” de instituições estrangeiras, até porque nada se faz sozinho. O projecto é liderado pela empresa Thales Edisoft e pelo próprio Ceiia, que tiveram a ajuda internacional do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT, nos Estados Unidos). Além deste trio, há outros intervenientes portugueses: as empresas Spin.Works e Dstelecom, as universidades do Algarve, Minho, Lisboa e Porto, o laboratório colaborativo +Atlântico, bem como os centros de investigação Okeanos e Air Centre.
O sucesso deste satélite, a 510 quilómetros de altitude da Terra, marca aquela que será a primeira era espacial portuguesa, depois do acto isolado do satélite PoSat-1 em 1993 – e que não teve continuidade apesar das promessas do final do milénio.
Este pequeno satélite com apenas 30 centímetros de altura e dez centímetros de largura sobressai como o tiro de partida para a concretização de uma ambiciosa meta reiterada por Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa: lançar, até 2026, 30 satélites portugueses. Os próximos, espera-se, serão mais fáceis e menos turbulentos.
O Aeros com destino a uma órbita baixa da Terra, onde confirmará que está a funcionar. Antes da partida, estragaram-se peças, criaram planos (A, B, C e D) e correu-se contra o tempo para entregar o aparelho a horas em Berlim (Alemanha) – onde foi integrado com outros satélites antes de ser levado para os Estados Unidos. Agora falta confirmar se funciona. “Provavelmente sim”, dizia Hélder Silva, um dos responsáveis da Thales Edisoft, em entrevista antes da partida. Pelo menos, não faltaram testes ao satélite – mas não há nada como testar a 510 quilómetros de altitude.
Aeros, vigilante do oceano
O satélite português tem uma missão científica em curso, não será rentável monetariamente, mas espera-se que traga informação em barda para as universidades e centros de investigação, por exemplo. O Aeros será um vigilante do oceano Atlântico que banha Portugal e, nos próximos três anos, cumprirá a função de fotografar esta zona a partir do espaço.
Através da câmara hiperespectral, desenvolvida pela Spin.Works, o satélite permitirá observar a cor do oceano Atlântico ou detectar frentes oceânicas, além de um sistema de comunicação para vigiar “etiquetas” colocadas em tubarões, por exemplo – e que ajudam na conservação destes animais, ao monitorizar a população e os seus movimentos. Além disso, há outra câmara RGB (ou seja, normal), que tira fotografias para localizar as imagens captadas – assim, é possível “apanhar” um território como Portugal e indicar a zona que estamos a observar.
A operacionalização do Aeros será assegurada pela empresa portuguesa Geosat, com os comandos e o controlo do satélite a serem dados desde o teleporto de Santa Maria, nos Açores. A gestão do satélite será essencial, já que na maioria deste tempo, o Aeros estará desligado. Toda a energia do satélite será canalizada para o momento em que será necessário tirar fotografias – as primeiras esperam-se já esta semana.
A informação recolhida por este satélite, cujos custos rondaram os 2,8 milhões de euros (a maioria do investimento de fundos públicos ou comunitários), poderá ajudar a ter um melhor conhecimento da costa portuguesa, já que teremos um vigilante especificamente dedicado a esta região. No entanto, este ainda é um aparelho demonstrativo, que ajudará a explorar a mais-valia desta tecnologia – e perceber se devemos enviar mais satélites com esta valência para a órbita terrestre.
O primeiro de 30
O lançamento do Aeros inaugura, de facto, uma nova era espacial em Portugal – talvez mesmo a primeira era espacial portuguesa. Depois do lançamento do PoSat-1 em 1993, a entrada no espaço deu-se paulatinamente e por outros meios: como a entrada na Agência Espacial Europeia, em 2000, ou o aparecimento de mais cursos dedicados à engenharia aeroespacial, por exemplo.
O próximo satélite não demorará 30 anos, nem 30 meses, espera-se. Já no início do Verão, o nanossatélite IST-Sat1 deverá descolar no primeiro voo do novo foguetão europeu Ariane 6. Para Outubro, está previsto o lançamento do primeiro de 12 satélites da constelação VDES, construída pela empresa LusoSpace. A própria equipa do Aeros avança que, em 2025, querem lançar outros dois satélites – com maiores dimensões e resolução.
Tudo se enquadra na estratégia portuguesa para o espaço, cujo epicentro continua a ser a constelação do Atlântico, uma iniciativa portuguesa anunciada em 2019 e à qual se juntou a Espanha (e em breve deverão juntar-se Grécia e Reino Unido) que envolverá a construção de 12 a 16 satélites para vigiar o Atlântico e estes países. Depois do pioneirismo do PoSat-1, 4 de Março de 2024 fica registado como o regresso de Portugal ao espaço: e, agora, os planos para continuar dificilmente serão travados.