Crise climática? A urgência que não se vê na campanha
O episódio da tinta verde atirada ao líder da AD foi a excepção que confirma uma das regras desta campanha: o ambiente e a crise climática não estão nas prioridades das agendas políticas.
Foi com estrondo que as questões ambientais entraram na agenda da campanha, quando um estudante atirou tinta verde sobre Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática (AD), para chamar a atenção de que “nenhum partido tem um plano adequado à realidade climática”. Nos telejornais, programas de comentário e reacções dos partidos, a condenação foi quase unânime. As reivindicações do movimento Greve Climática Estudantil, essas, foram resumidas a “uma causa justa” e muito pouco aprofundadas. Depois do susto, voltou-se ao business as usual: o ambiente e a crise climática não estão nas prioridades das agendas políticas.
Apesar de a transição ecológica ser um tema incontornável nos programas eleitorais, nem todas as medidas são propostas com o mesmo peso. Não é, aliás, através dos programas eleitorais dos partidos que ficamos a saber como farão a sua parte para cumprir o plano de reduzir em 55% as emissões do país, por comparação a 1990, ou proteger o ambiente. As pistas para a importância destes temas para cada um dos partidos podem ser procuradas nos debates televisivos da pré-campanha (quase exclusivamente nos debates do PAN), onde os partidos puxaram a brasa às suas sardinhas programáticas.
Em matéria de transição energética, o PS de Pedro Nuno Santos apregoa dois grandes pilares: a sua Estratégia Industrial Verde, uma proposta de investimento mais selectivo e especializado do Estado em determinados sectores, assim como o investimento na ferrovia, uma das suas coqueluches (“o maior contributo que podemos dar ao clima e ao ambiente”), que quer complementar com o alargamento da abrangência do Passe Ferroviário Nacional.
Do investimento em energias renováveis, razoavelmente detalhado no programa do PS, pouco falou nos debates, apesar de ter sido uma das grandes apostas do governo na última COP28. Sem conseguir fugir aos dossiers da Operação Influencer, acabou por defender a aposta na exploração de lítio e os mega projectos de potencial interesse nacional (PIN), como os do hidrogénio ou o data center de Sines – “o país tem que conseguir conciliar interesse ambiental com económico.”
Durante os debates, Luís Montenegro pouco tinha falado sobre o tema. Os jovens activistas da Greve Climática Estudantil acabariam por acusar a AD de “defender o sistema fóssil que coloca o lucro à frente da vida”, ao que o social-democrata acabou por prometer que o seu Governo “terá um Conselho de Ministros dedicado à transição climática e energética”. Foi apenas no debate com o PAN que Montenegro mencionou as questões ambientais: focou-se, contudo, no passado, puxando pergaminhos à preocupação ecológica trazida pela direita desde 1974, recordando o legado de governantes como Carlos Pimenta, Jorge Moreira da Silva e José Eduardo Martins.
Foi também apenas no debate com o PAN que André Ventura, líder do Chega, falou sobre as questões climáticas e ambientais (o partido, na altura, ainda não tinha apresentado o seu programa eleitoral). Surge então a questão dos lucros excessivos das petrolíferas: “Não gosto da expressão lucros excessivos”, começou por dizer André Ventura, mas lá acabou por reconhecer que “nada contra, desde que não [se] reflicta nos preços ao consumidor”. Posicionando-se contra taxas sobre a agricultura e pecuária e impostos sobre os combustíveis, defendeu que “a ecologia não seja feita à custa de taxar o contribuinte”, recusando uma “ecologia punitiva”. O Chega também defende um estudo sobre a possível integração de pequenos reactores nucleares modulares na matriz energética portuguesa.
Duas propostas que foram também partilhadas pela Iniciativa Liberal, com mais ou menos sucesso. No caso da energia nuclear, Rui Rocha recebeu uma resposta feroz do PAN, que faz prever a dificuldade de um eventual debate sobre a sua viabilidade no país: “O nuclear depende de água para arrefecimento, não é uma tecnologia que em Portugal possamos olhar com ligeireza”, alertou a líder do PAN, recordando a seca severa que se vive no Sul do país.
Apesar de todos os indícios de que o impacto das alterações climáticas não vai abrandar e que é preciso não apenas reduzir imediatamente as emissões, mas também adaptar o território a esse clima em mudança, a IL “recusa o alarmismo”. “Se a designação ‘emergência climática’ for usada para legitimar visões proibicionistas ou visões que querem impor um retrocesso às condições de vida que tínhamos no século passado, a IL não participa nesta visão”, afirmou Rui Rocha, ecoando inadvertidamente declarações polémicas de Sultan Al Jaber, presidente da COP28, que comparou o fim dos combustíveis fósseis a um regresso à idade das cavernas.
“Essa discussão tem que ser tida no sentido de trazer crescimento económico e sustentabilidade”, emendou Rui Rocha, enumerando algumas “soluções para o ambiente e soluções para a transição energética” que constam no “Manifesto para crescimento sustentável” da IL, como a facilitação de licenciamento para instalação de energias limpas, a aposta na economia circular (a única vez que, nos debates, se ouviu falar em resíduos e aterros), assim como a “descarbonização por via da aposta na ferrovia”.
Nos debates, o PCP acabou por ter oportunidade de falar sobre o impacto da regulação ambiental nos agricultores. “Não acompanhamos a ideia de confronto entre agricultura e ambiente”, declarou Paulo Raimundo, no debate com o PAN. Pelo contrário, há “sintonia”. “O sufoco dos agricultores é da Política Agrícola Comum”, sublinhou o líder comunista, apontando também o dedo à “ditadura da grande distribuição”.
Mariana Mortágua, que ensaiou algumas menções ao ambiente em curtos comentários noutros debates, acabou por também só aprofundar a sua visão no confronto com Inês de Sousa Real. Determinando como fulcral a aposta na eficiência energética e na electrificação (em particular do sector dos transportes), defendeu ainda um reforço das medidas de combate à pobreza energética, incluindo um “mínimo de consumo gratuito, porque as pessoas não podem ficar sem aquecer as suas casas”. Portugal “pode e deve”, aliás, aprofundar a sua especialização em produção de energia renovável – mas uma “produção descentralizada”, defende, deixando a sua alfinetada ao modelo dos grandes projectos PIN.
O Livre, que é membro do Partido Verde Europeu, defende como slogan uma “maioria de progresso e de ecologia” e chegou mesmo a defender uma “eco-'geringonça'”. Rui Tavares também ensaiou algumas vezes o tema do ambiente – mencionando sempre que possível o Passe Ferroviário Nacional –, mas, uma vez mais, foi apenas no debate com o PAN que os moderadores abriram espaço para falar sobre as temáticas ambientais. Dentro do seu discurso sobre a importância da investigação e tecnologia, o partido defende que é preciso estudar a aposta no biometano e no hidrogénio verde. Já no que toca à explicação de lítio, mostrou conhecimento sobre o estado da arte, notando que o futuro das baterias passa já por outros materiais (como o sódio) e que o lítio é uma quimera com prazo à vista: “O dinheiro fácil do volfrâmio não ajudou o desenvolvimento do país”, recordou o historiador.
Apesar dos argumentos mais frágeis em outras áreas da governação, Inês de Sousa Real mostrou nos debates um conhecimento sólido sobre os desafios da descarbonização e alguma reflexão sobre os equilíbrios e compromissos que serão necessários entre a protecção ambiental e o desenvolvimento económico. “Não podemos fazer a transição verde à conta dos direitos das populações”, recordou a candidata do PAN.
No debate sobre as questões energéticas, sublinhou que não existem “balas de prata” – é preciso um “mix energético”, que pode ser concretizado, por exemplo, com centrais fotovoltaicas dispersas no território. Repetindo slogans como “mais ferrovia, menos aeroporto”, não se esqueceu também de lembrar que os “300 milhões de euros” em “borlas para as grandes petrolíferas” poderiam garantir “quatro milhões de passes gratuitos”.