Depois do Sora, o que sobra?

As questões éticas e legais relacionadas com a privacidade e a equidade vão surgir cada vez mais, e é importante que o progresso que aguarda este tipo de software seja feito com isso em mente.

Deus quer, o Homem sonha, o Sora nasce. Depois de um início de ano repleto de anúncios altamente relevantes no universo da GenAI (inteligência artificial generativa), a OpenAI – que tanta tinta tem feito correr nos meios – mais uma vez ultrapassou os limites do que se pensava possível com ao apresentar ao mundo o Sora. Em suma, software que converte instruções de texto (prompts) em vídeos notavelmente realistas, dando um passo de gigante na dissipação dos limites da imaginação.

Como já estamos – ou devíamos estar – habituados, este produto da companhia cofundada por Sam Altman levanta necessariamente questões que precisam de ser consideradas. A sua usabilidade é dos primeiros pontos que me ocorre. Se o ChatGPT, filho primogénito, augurava poder ser a ferramenta de muitos milhões espalhados pelo mundo para facilitar a execução de ene tarefas quotidianas (e conseguiu!), aqui o Sora já sofre de uma síndrome de afunilamento; o seu uso estará, do que podemos para já auferir, mais direcionado para indústrias que englobem necessidades específicas de conteúdos multimédia e marketing, por exemplo.

Um mercado que se destaca para esta nova plataforma e que ainda não vi muita gente notar é a indústria da moda, que tem vindo a procurar novas formas de envolver os seus consumidores e melhorar a experiência de compra desde a introdução do metaverso.

Fundindo realidade virtual (VR) com o poder de geração de conteúdo do Sora, pode vir a ser possível proporcionar aos clientes a oportunidade de colocarem peças de roupa em tempo real em si mesmos, como se estivéssemos no popular Sims. Esta possibilidade de customização completa na experiência de compra irá, sem dúvida, alavancar por si também estratégias de marketing decididamente diferentes e cada vez mais disruptoras, com o enfoque no “marketing do momento”.

Retornando a um tópico mais óbvio, não posso não realçar ainda o desafio para a indústria cinematográfica. Será crucial, como se tem feito em boa medida com o ChatGPT em inúmeros setores de atividade, procurar estabelecer o Sora como parceiro dos artistas de VFX (sigla técnica para efeitos visuais), que tanto têm feito para nos proporcionar os melhores cenários imaginados e tão espetacularmente (re)criados.

Para lá da especificidade de indústrias, o maior estreitar de uso do Sora estará também, para já, condicionado pelas suas exigências de processamento. Os dois principais desafios impostos neste campo estão interligados e prendem-se com a quantidade imensa de Unidades de Processamento Gráfico requeridas para viabilizar a operação do Sora; com isto, entra também na equação a variável da sustentabilidade, cada vez mais importante de considerar no desenvolvimento das tecnologias atuais. A verdade é que, à semelhança do caso das tecnologias que requerem tecnologia blockchain, o consumo energético associado ao processamento destas Unidades ainda não está otimizado o suficiente para que este software possa ser disponibilizado a toda a população.

Por fim, a questão para o milhão de euros: a cibersegurança. Onde vai esta inteligência buscar a inspiração? Que dados são utilizados, e como poderão ser protegidos? Estas questões éticas e legais relacionadas com a privacidade e a equidade vão surgir cada vez mais, e é importante que o progresso que aguarda este tipo de software seja feito com isso em mente.

Aliás, perguntei mesmo ao ChatGPT o que achava ele do seu irmão mais novo. Apesar de estar ensinado pela companhia-mãe, não deixa de ser um bom sinal receber que o Sora “pode ajudar a impulsionar a inovação em diversas áreas, desde a medicina até a educação, fornecendo insights valiosos e soluções criativas para desafios existentes”, ainda que seja “importante garantir que o Sora seja desenvolvido e utilizado de maneira ética e responsável”. Concordo com tudo.

Por vezes, pode ser fácil perdermo-nos no meio da inovação. No meio de tanto potencial de uso, é importante que continue o cérebro humano ao leme e que não deixe tudo ao artificial, já provado ter também os seus enviesamentos. Foquemo-nos em colocar o vento nas velas certas e que, com isso, desbravemos novos caminhos para que o impacto que realmente queremos criar na sociedade seja um em que beneficiamos todos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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