Não se consegue disfarçar a surpresa quando se entra no novo lagar da Olibest instalado a meio caminho entre Serpa e Vila Verde de Ficalho. A maquinaria que equipa as instalações, adquirida na Alemanha e em Espanha, ilustra o avanço tecnológico de última geração que assegura a monitorização de todos os processos de produção com base em sistemas de gestão telemática. A inovação até tornou dispensáveis as torneiras. Foram substituídas por electroválvulas que dispensam a intervenção humana.
O sistema de armazenamento é outra das referências que mais se evidenciam, com seis dezenas de depósitos de inox, cada um com 12 metros de altura e 4,35 metros de diâmetro e com capacidade para armazenar 162 mil toneladas de azeite.
O nível de higienização comprova a evolução de um processo em que se manuseia uma gordura vegetal mesmo nos espaços onde é escoada dos vários aparelhos de centrifugação que vieram substituir o tradicional sistema de prensas, garantindo assim um aumento das escalas de produção e da qualidade do azeite.
Os lagares modernos utilizam um sistema de centrifugação montado horizontalmente para extracção de azeite em duas fases, uma técnica que elimina a elevada quantidade de águas-ruças presente no bagaço de azeitona, evitando assim a carga poluente que os sistemas tradicionais, já em desuso, lançavam em rios e ribeiras.
Jeremias Lancastre e Távora, director-geral da Olibest, empresa de capitais portugueses que construiu o novo lagar para iniciar a sua actividade na campanha olivícola de 2021/2022, justifica ao PÚBLICO, de uma forma curiosa, o porquê da limpeza que se observava nas instalações: “Uma vez que produzimos um óleo produto alimentar temos de ter sempre a cozinha limpa.” E mesmo no momento em que decorrem os trabalhos de manutenção dos equipamentos, terminada que está a campanha oleícola 2023/2024, a higienização dos espaços não é descurada.
Tanto nos novos lagares como nos olivais “estamos muito à frente de Espanha”, garante Lancastre e Távora, sublinhando outra inovação que veio aumentar o prazo de validade do azeite. Todos os depósitos têm na sua base uma tubagem circular com furações por onde é injectado gás inerte, árgon ou azoto “para expulsar o oxigénio que se encontra dissolvido no azeite e assim evitar a sua oxidação, de forma a garantir uma maior estabilidade do azeite e a manutenção das características sensoriais”, mesmo tendo em conta o elevado volume de azeitona que entrou no lagar na última campanha.
“Transformámos 65 milhões de quilos de azeitona, que deu 8,5 milhões de quilos de azeite, ou seja, mais do que 10% do consumo nacional”, destaca o empresário, lembrando que Portugal produziu na última campanha, que acabou recentemente, “entre 130 e 140 mil toneladas de azeite”.
A Olibest tem uma equipa de aproximadamente 30 pessoas, a maioria residente nas proximidades do lagar e com preparação técnica e experiência nesta actividade.
O projecto inicial para o novo lagar previa a transformação de 30 milhões de quilos, mas o volume entrado mais do que duplicou, pormenor que vai obrigar a empresa a “aumentar” as instalações para assegurar o crescendo de produção que se espera para as próximas campanhas.
Por se ter verificado “uma maior procura que a que esperávamos, no início da campanha, quando ainda estava muito calor, fomos confrontados com uma grande concentração de viaturas durante o dia, e com temperaturas a superar os 30 graus Celsius, quando o ideal é trabalhar a azeitona a 27 graus, para o azeite ficar superfrutado” salienta Lancastre e Távora, frisando que a “temperaturas elevadas dificultam a obtenção de azeites de qualidade.”
A proibição da apanha nocturna nos olivais decretada pelo Governo para evitar a morte de aves que eram sugadas pelas máquinas envolvidas na recolha, acaba por se reflectir numa maior concentração de viaturas durante o dia e, consequentemente, em maior demora no tratamento da azeitona, inconveniente que se reflecte na qualidade final do azeite.
Um lagar que é também dos pequenos produtores
Dimensionado para transformar a azeitona oriunda das grandes explorações, a Olibest não esqueceu os pequenos produtores. “O lagar é para todos e sem distinção”, comenta o director-geral, frisando que desde o primeiro momento o projecto incluía uma linha para os pequenos produtores que têm explorações de pequena dimensão e com poucas dezenas de oliveiras. A empresa disponibiliza-lhes um sistema de tratamento da sua produção de pequena dimensão, mas em tudo idêntico ao instalado para as grandes produções. “Eles transportam para aqui 500, 1000 ou 2000 quilos de azeitona e levam de volta o seu azeite” refere Lancastre e Távora.
Este processo difere do que é praticado na maquia tradicional, em que o produtor traz para o lagar a sua azeitona e leva o equivalente acordado em quilos de azeite. O agricultor pode “pagar em espécie” esta prestação de serviços, mediante a realização de uma outra operação: ceder ao lagar uma parte do azeite produzido do qual é proprietário.
O pequeno produtor “vai poder provar o azeite do fruto que a família andou a colher. E isto faz toda a diferença”, observa o Lancastre e Távora, realçando outro pormenor importante: “Têm de nos comunicar, previamente, o dia em que podem trazer a sua produção. A inscrição é feita, o tempo de espera é zero e levam o seu azeite na hora”, descreve o empresário, lembrando que, desta forma, “também se faz produção biológica” da azeitona produzida nos olivais tradicionais.
A proximidade da serra de Ficalho e o facto de se trabalhar com azeites das variedades tradicionais de produtores locais, levou a Olibest a perceber que a fusão dos azeites dessas variedades com os azeites obtidos de variedades mais recentes no Alentejo resulta num produto de “uma qualidade única no mundo, o que se tem revelado uma mais-valia para este projecto”, afirma o director-geral.
À procura de uma alternativa natural para evitar a poluição atmosférica
Quando a extracção do azeite se fazia através dos sistemas tradicionais com prensas, a carga poluente (as chamadas águas-ruças) resultante da actividade dos lagares era lançada nas linhas de água. Com o advento dos lagares baseados na extracção centrífuga deixou de haver águas-ruças, mas o bagaço de azeitona resultante do processo passou a estar sujeito a um processo de secagem gerador de vapor de água, que pode originar cheiros desagradáveis.
Para contrapor a este estado de coisas que tem levantado muita celeuma, a Olibest procura valorizar o subproduto resultante da actividade do lagar, que é o bagaço de azeitona, “evitando o transporte do bagaço de azeitona de um lado para o outro”, justifica Lancastre e Távora. A solução poderá estar no seu aproveitamento para a produção de biogás, ou do recurso a um processo de transformação recorrendo à mosca-soldado-negra (Hermetia illucens) para a produção de um fertilizante orgânico.
Daniel Murta, director-geral e fundador da empresa de investigação EntoGreen, explicou ao PÚBLICO que está em curso o desenvolvimento de um processo de valorização de subprodutos vegetais através da sua bioconversão por larvas de mosca-soldado-negra.
Assim, e no âmbito do olival circular, a EntoGreen vai receber “dezenas de toneladas de bagaço de azeitona por dia, transformando este produto, que é muitas vezes uma ameaça, em soluções nutricionais para plantas e animais”, salienta Daniel Murta, que prossegue com a descrição do processo. “E o melhor de tudo é que parte deste bagaço pode mesmo voltar ao solo que gerou as azeitonas, na forma de fertilizantes orgânicos que enriquecem o solo, fechando o ciclo de nutrientes que de outra forma seriam desperdiçados.”
Porém, o grande valor deste novo processo está nas larvas, capazes de transformar o bagaço em proteína e óleo de insecto para aplicações que vão da alimentação animal à cosmética.
O director-geral da Olibest acredita que desta iniciativa sairá uma solução inovadora, que “pode criar valor para todo o sector e será mais um passo importante para o equilíbrio e sustentabilidade ambiental”.