Paolo Taviani (1931-2024): um cineasta poético e político

Com o seu irmão mais velho, Vittorio, que morreu em 2018, realizou mais de vinte filmes, como Pai Patrão, A Noite de S. Lourenço, que venceu Cannes em 1977, ou César Deve Morrer. Tinha 92 anos.

Foto
Paolo Taviani em 2022 no Festival de Berlin Abdulhamid Hosbas/Anadolu Agency via Getty Image
Ouça este artigo
00:00
03:58

Morreu esta quinta-feira em Roma, aos 92 anos, o cineasta italiano Paolo Taviani, o mais novo dos dois irmãos Taviani, que construíram em conjunto, ao longo de mais de meio século, uma obra cinematográfica cujo comprometimento social e político convivia com uma forte dimensão poética, na linha do cinema neo-realista de Roberto Rossellini ou Vittorio De Sica.

O primeiro grande sucesso da dupla Taviani foi Pai Patrão, história do filho de um pastor de ovelhas que procura libertar-se da despótica tutela do pai. O filme, talvez mais conhecido, mesmo em Portugal, pelo título original Padre Padrone, venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1977.

Paolo e o seu irmão mais velho, Vittorio (que morreu em 2018, aos 88 anos), explicaram então que não sabiam trabalhar um sem o outro e compararam-se ao café com leite: “É impossível dizer onde termina o café e onde começa o leite!”. Deixaram também uma garantia para o futuro: “Enquanto respirarmos misteriosamente no mesmo ritmo, faremos filmes juntos”.

E assim foi. Sem mencionar algumas curtas-metragens realizadas ainda nos anos 50, a sua colaboração artística inicia-se em 1960 com um documentário sobre os depósitos de petróleo e metano no subsolo italiano: A Itália Não É um País Pobre. Com a ajuda do grande documentarista holandês Joris Ivens, que co-assina o filme, os dois irmãos vão cruzando uma reportagem do desenvolvimento da indústria petrolífera com imagens da vida quotidiana em algumas das regiões mais pobres do país.

Cinco décadas e meia separam esta encomenda de Maravilhoso Boccaccio (2015), o último filme assinado pela dupla. Vittorio ainda participa no argumento de Uma Questão Pessoal (2017), mas o filme já é dirigido apenas por Paolo, que em 2022 ainda realiza Leonora, Adeus, onde aborda as estranhas andanças dos restos mortais de Luigi Pirandello, um escritor que os Taviani admiravam e de quem adaptaram alguns contos em Kaos (1984).

Quando o sucesso de Padre, Padrone lhes trouxe maior notoriedade internacional, eram já conhecidos por filmes como Un Uomo da Bruciare (Um Homem para Queimar), de 1962, a sua primeira longa-metragem de ficção, que conta a luta de um sindicalista contra a máfia siciliana, nos anos 50, e que ganhou o prémio da crítica no Festival de Veneza, ou ainda Allonsanfàn, de 1973, história de um líder anarquista (interpretado por Marcello Mastroianni) que se sente exausto e quer sair de cena, mas é pressionado pelos seus correligionários a manter-se na luta.

"Uma espécie de graça"

Entre os seus filmes dos anos 80, contam-se A Noite de São Lourenço (1982), que venceu o prémio do júri em Cannes, e que se centra no drama de um grupo de habitantes de uma pequena povoação italiana que, em 1944, decide tentar ir ao encontro das forças aliadas quando ouve rumores de que a sua vila poderá ser destruída pelos nazis, ou Bom Dia, Babilónia (1987), protagonizado por dois irmãos da Toscana que emigram para os Estados Unidos e arranjam trabalho a construir cenários para o épico Intolerância, de D. W. Griffith. Um dos irmãos é protagonizado pelo actor português Joaquim de Almeida, que contracena com Vincent Spano e Greta Scacchi.

Quando já eram ambos octogenários, Vittorio e Paolo Taviani co-assinaram o seu canto do cisne com César Deve Morrer (2012), cujos intérpretes, todos eles detidos de uma zona de alta segurança de uma prisão romana, encenam na cadeia a peça Júlio César, de Shakespeare, e vão reagindo ao que um texto com 400 anos tem a dizer ao seu confinado presente. O filme venceu o Urso de Ouro do Festival de Berlim.

Reagindo à morte de Paolo Taviani, Gilles Jacob, antigo presidente do Festival de Cannes, disse à agência AFP, que o cineasta era “uma metade de uma dupla encantadora”. Considerando os Taviani “herdeiros de Rossellini”, e apontando Padre Padrone e A Noite de São Lourenço como “milagres de força e delicadeza”, acrescentou: “Os seus filmes, de inimitável rigor moral e poesia, eram tocados por uma espécie de graça”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários