Supremo não suspende pena de prisão de Salgado, mas admite que doença impeça cadeia

Quatro juízes consideram que até demonstração em contrário “a doença [de Alzheimer] pode ser tratada em ambiente prisional consoante o seu grau e estado de evolução”

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Supremo manteve condenação de Ricardo Salgado a oito anos de prisão. LUSA/PAULO CUNHA
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O Supremo Tribunal de Justiça manteve a pena de oito anos de prisão aplicada ao ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, no âmbito do processo que saiu da Operação Marquês, recusando igualmente suspender a respectiva execução. Os juízes admitem, no entanto, que o antigo banqueiro não chegue a ir para a prisão, se o seu estado de saúde se agravar.

Quatro juízes conselheiros consideram “insuficiente” a documentação existente no processo “para determinar o grau de incapacidade ou anomalia superveniente do arguido”, previstas no artigo 106 do Código Penal. E escrevem: “Nada nos autos nos diz nem comprova com certeza e clareza que o mesmo [Ricardo Salgado] está já de tal modo afectado pela doença de Alzheimer que justifique, mesmo na presente fase, uma declaração de suspensão”. Até demonstração em contrário, sublinham os juízes do Supremo, “a doença pode ser tratada em ambiente prisional, consoante o seu grau e estado de evolução”.

Na decisão escrita pelo juiz Agostinho Torres e assinada pelos adjuntos Vasques Osório e Jorge Gonçalves e ainda pela presidente da 5ª. Secção Criminal do Supremo, Helena Moniz, explica-se que "a ideia base subjacente a este regime [do artigo 106] é a de que há aqui uma espécie de incapacidade para a percepção do sentido da pena que o indivíduo tem de cumprir". E acrescenta-se: "Porquanto não tem, então, sentido sujeitar um indivíduo ao cumprimento de uma pena de prisão, o melhor caminho é proceder ao seu tratamento, suspendendo-se a execução da pena, com oportuno cumprimento do que dela restar quando tiver cessado o estado de anomalia psíquica".

Os magistrados do Supremo sublinham, contudo, o seguinte: "Numa situação clínica em que seja evidente, indubitável, seguro e convincente a inapropriedade de aplicação da pena de prisão, face à doença indicada seria de todo injustificável e desumano sujeitar o condenado à execução da pena ou mesmo a iniciá-la para depois a suspender".

O artigo 106 do Código Penal​ prevê que “se a anomalia psíquica sobrevinda ao agente depois da prática do crime não o tornar criminalmente perigoso, em termos que, se o agente fosse inimputável, determinariam o seu internamento efectivo, a execução da pena de prisão a que tiver sido condenado suspende-se até cessar o estado que fundamentou a suspensão”.

Os conselheiros consideram que "o facto de alguém sofrer de doença de Alzheimer, só por si, não justifica aplicação do mecanismo de suspensão", mas sustentam que quando o arguido é incapaz de perceber o sentido da pena não há dúvidas de que a suspensão da pena deve ser aplicada à luz dos "elevados padrões de respeito" salvaguardados pelos direitos humanos fundamentais contidos em tratados e convenções internacionais.

O acórdão sustenta ainda que pode ser o tribunal de primeira instância e não necessariamente o de execução de penas a accionar o regime previsto no artigo 106. E lembram “que estamos indiscutivelmente perante uma doença com elevada expectativa de sinais de agravamento e degenerescência física e mental e que, a existir anomalia psíquica excludente da capacidade de o arguido entender e compreender o sentido da pena, aquela bem pode vir a verificar-se até à data de execução concreta da mesma [pena]”, ou seja, até Salgado ter que ir efectivamente para a cadeia. Os conselheiros lembram que o tribunal de execução de penas apenas poderia actuar "se o arguido fosse primeiramente colocado no estabelecimento prisional como recluso, situação essa que seria inaceitável humanamente".

É previsível que a defesa recorra agora para o Tribunal Constitucional, a única instância que ainda não se pronunciou neste caso. Fica claro com esta situação que quando a decisão da Justiça se tornar definitiva caberá ao tribunal de primeira instância avaliar se deve ou não aplicar a suspensão do artigo 106.

O ex-presidente do BES foi acusado, em Outubro de 2017, de ser um dos alegados corruptores do ex-primeiro-ministro José Sócrates, a quem teria entregado 21 milhões de euros. O objectivo era que o então governante favorecesse os interesses do grupo Espírito Santo, nomeadamente em duas situações: o apoio de Sócrates para fazer falhar a oferta pública de aquisição que o grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) lançou à PT, em 2006, e para aceitar a venda das participações da PT na Vivo (Brasil) à Telefónica e simultânea entrada da PT na Oi (Brasil), aprovada no final de Julho de 2010 pela administração da operadora portuguesa.

Acusado de 21 crimes, foi, por decisão do juiz Ivo Rosa, julgado apenas por três de abuso de confiança, num processo que foi autonomizado do caso principal da Operação Marquês. Em Março de 2022, o antigo banqueiro foi condenado a uma pena de seis anos de prisão efectiva, tendo no ano passado o Tribunal da Relação de Lisboa agravado a pena de cadeia para oito anos.

Os advogados de Salgado recorreram para o Supremo, que aceitou analisar o caso, mas apenas no que diz respeito ao agravamento da pena. A defesa do antigo banqueiro sustentava que, devido à doença de Alzheimer, colocar o antigo banqueiro numa prisão seria o equivalente a “determinar a sua pena de morte”. E pediam que a pena fosse suspensa.

No mês passado, na sequência de um recurso do Ministério Público relativo ao arquivamento da maior parte dos crimes da Operação Marquês, três juízas do Tribunal da Relação de Lisboa fizeram renascer grande parte da acusação. Salgado terá, por isso, que ser agora julgado por três crimes de corrupção e oito de branqueamento de capitais. A data de início do julgamento ainda não está marcada.

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