Estudantes Erasmus voltam a não conseguir votar: “Isto aumenta a abstenção”

Portugueses que estudam longe de uma embaixada ou consulado têm de viajar centenas de quilómetros para votar, uma vez que não podem pedir o voto postal. Sem quererem, fazem “parte da abstenção”.

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Estudam fora do país e estão a horas de distância dos consulados. São a abstenção Paulo Pimenta
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A lei eleitoral diz que quem está temporariamente a viver fora de Portugal por motivos pessoais ou profissionais e não tem morada no país de acolhimento pode votar antecipadamente num consulado ou embaixada portuguesa. No caso das legislativas marcadas para 10 de Março, a data limite para exercer o direito de voto antecipado termina nesta quinta-feira, 29 de Fevereiro. Mas, na realidade, votar no estrangeiro pode não ser tão simples como consta no site da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Para os estudantes de Erasmus+ que vivem longe de uma embaixada ou de um consulado português, exercer o direito de voto implica passar horas num avião ou em transportes públicos, pagar a deslocação, faltar às aulas — e, por vezes, chegar ao destino já depois de o posto consular ter fechado. Por estarem a estudar em mobilidade, e não terem residência fixa num país estrangeiro, não podem optar pelo voto postal.

Gonçalo Sousa, 21 anos, diz que não ficou surpreendido com estes entraves quando se mudou para Vílnius, na Lituânia, para estudar Engenharia e Gestão Industrial. Está no país há um mês, mas antes de ir procurou saber o que teria de fazer para votar e até que datas o poderia fazer. No entanto, admite em entrevista ao P3, nunca imaginou que teria de apanhar um voo de duas horas até Copenhaga, na Dinamarca, para exercer o direito de voto.

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Gonçalo Sousa estuda na Lituânia que não tem consulado oficial português Gonçalo Sousa

“Isto acontece porque a Lituânia não tem nenhum consulado português. Tem um consulado honorário que fica a duas horas de autocarro de Vílnius mas onde não se pode votar”, explica, como descobriu uma amiga que fez a viagem e voltou com as más notícias e sem ter feito uma cruz no boletim.

Por isso, nestas eleições, não vão votar. “Por muito que o queira fazer não consigo pagar dois voos. Vi preços e rondavam os 90 euros cada e também teria de ir de transporte público até ao consulado, que nunca seria menos de cinco euros ida e volta”, calcula Gonçalo.

Para Catarina Silva, que está a fazer um estágio ao abrigo do programa Erasmus+, votar fora do país, neste caso em Barcelona, foi tão fácil como fazê-lo em Portugal. Na terça-feira, 26 de Fevereiro, fez uma viagem de 20 minutos de transporte até ao consulado português, esperou cerca de 15 minutos na fila e votou. “Não tive mesmo dificuldade. Há vários grupos nas redes sociais de Erasmus de portugueses em Barcelona e falavam desta situação. Encontrei muita informação sobre como votar, mas as plataformas que Portugal tem nas redes deviam ser mais elucidativas quanto a estes assuntos”, destaca a jovem de 24 anos, que está a estagiar numa empresa como criadora de conteúdos.

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Catarina Silva está em Barcelona e votou no consulado português Catarina Silva

Contribuir para a abstenção

Leonardo Chianese também vai fazer parte da abstenção. Está a tirar o mestrado em Relações Internacionais e Assuntos Europeus na cidade italiana de Bolonha e, para votar, teria de se deslocar à embaixada de Portugal em Roma, que fica a cinco horas de distância de autocarro ou a quase três horas, se viajar num comboio de alta velocidade.

“Cada bilhete de autocarro custa 20 euros e de comboio 40. Votar para mim é muito importante, mas teria de faltar às aulas e é uma deslocação muito grande e até desnecessária quando existem outras alternativas”, defende.

De acordo com o site, a embaixada portuguesa em Itália está aberta das 9h às 16h. Segundo o jovem de 22 anos, só se apanhasse autocarro de madrugada conseguiria chegar a tempo.

“Estive atento aos debates e às propostas de cada partido, até porque estudo ciência política. Esta ‘restrição’ ao voto é má e acredito que a maioria das pessoas que estuda fora esteja investida na vida civil e queira votar. Retirar este direito aumenta a abstenção 'artificial' e não contribui para a democracia”, acrescenta.

Voto electrónico ou por procuração entre as soluções

Esta abstenção artificial” dos alunos de Erasmus ou que estudam no estrangeiro repete-se: aconteceu em 2021, nas presidenciais de 24 de Janeiro e nas autárquicas, que se realizaram a 26 de Setembro. Em 2022, durante as legislativas de 30 de Janeiro, o problema repetiu-se, conforme noticiou o P3.

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Leonardo Chianese teria de fazer uma viagem de cinco horas para poder votar na embaixada portuguesa em Itália Leonardo Chianese

Leonardo nunca conseguiu votar nas eleições legislativas. “O problema é sempre a distância da cidade onde estou até à embaixada em Roma. Em 2022 estava em Florença a terminar a licenciatura”, recorda.

Enquanto o problema não tem solução à vista, os jovens vão pedindo alternativas que acreditam ser mais simples, como o voto à distância. Para Gonçalo Sousa, seria a opção mais viável e barata. “Poderíamos usar a chave móvel digital que está associada ao nosso cartão de cidadão e número de contribuinte e votar numa plataforma específica. O voto seria anónimo, mas conseguiriam saber se já o fizemos”, propõe.

Na verdade, a Comissão Nacional de Eleições já testou o voto electrónico quatro vezes, lê-se no site. A primeira e a segunda experiências aconteceram em 1997 e 2001, anos de eleições autárquicas, e as restantes em 2004 (para as presidenciais) e 2005 (legislativas). Os emigrantes votaram através “de uma plataforma de voto electrónico" disponível para o efeito.

A comissão confirma que esta modalidade já foi aplicada mais vezes “em circunscrições delimitadas de universo reduzido”. No entanto, para as eleições deste ano “nada foi determinado, sendo que esta matéria é da reserva de competência legislativa da Assembleia da República”, respondeu, por email.

As últimas declarações sobre esta modalidade de voto remontam a 2021, quando a ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, revelou que estava a ser criado um projecto-piloto de voto electrónico para acabar com estas dificuldades de acesso aos locais de voto por parte de quem está fora do país.

Leonardo Chianese não descarta esta hipótese, mas defende que passar uma procuração à mãe ou a outro familiar que pudesse votar por si seria a solução ideal. “Já acontece noutros países e acho que seria mais simples e 100% seguro.”

Ao P3, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ressalva que o voto antecipado nos consulados e embaixadas decorre sempre durante três dias precisamente para salvaguardar "eventuais questões logísticas dos eleitores".

O prazo para requerer o voto antecipado em mobilidade, que pode ser útil para estudantes deslocados em Portugal, termina também a 29 de Fevereiro. Para quem for para fora do país em viagem de lazer ou trabalho, as regras são as mesmas: a inscrição é feita entre os dias 25 e 29 de Fevereiro no site da SGMAI. Escolhem o município onde querem exercer o direito de voto e preenchem o boletim no dia 3 de Março, uma semana antes das eleições.

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