A crise climática está a mudar perigosamente o fluxo dos rios

Os rios estão a mudar – e a crise climática é a culpada pela perturbação do fluxo sazonal da rede fluvial no Norte. Estas alterações ameaçam ecossistemas ribeirinhos e a segurança hídrica da Europa.

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Os Países Baixos, juntamente com muitos outros países europeus, enfrentam uma escassez de água e uma diminuição dos níveis de água após um período de seca persistente em 2022 EPA/ROB ENGELAAR
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Os rios já não são os mesmos – e a crise climática é a “culpada” pela perturbação do fluxo sazonal da rede fluvial no hemisfério Norte, sugere um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science. Estas alterações podem ameaçar não só os ecossistemas ribeirinhos, mas a própria segurança hídrica da Europa (a Escandinávia, em particular), da Rússia e do Canadá.

“O nosso artigo mostra, pela primeira vez, que a sazonalidade do fluxo dos rios está a enfraquecer nas altas latitudes do Norte. Já não se trata de um fenómeno local ou regional. Além disso, o estudo estabelece a base científica física de que as alterações climáticas induzidas pela humanidade provocaram este fenómeno”, explicou ao PÚBLICO o co-autor Junguo Liu, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzhen.

Ao analisar séries históricas de dados de 10.120 estações higrométricas em todo o mundo, os cientistas descobriram que 21% destas unidades mostraram alterações significativas na subida e descida sazonal dos níveis da água. O volume de informação estudado abrangia medições mensais do caudal registadas de 1965 a 2014.

“O nosso trabalho mostra que o aumento da temperatura do ar está a alterar profundamente os padrões naturais do fluxo dos rios”, afirma Hong Wang, investigador de doutoramento na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China e na Universidade de Leeds, citado numa nota de imprensa da instituição britânica.

Hong Wang explica que parte preocupante desta mudança é “o enfraquecimento observado da sazonalidade do fluxo dos rios”, e que isto é uma consequência directa das emissões de gases com efeito de estufa causadas pela actividade humana. Se as temperaturas continuarem a subir – recorde-se que o planeta tem registado consecutivos recordes de temperatura há oito meses –, o fluxo fluvial continuará a esmorecer continuamente.

Esta foi a primeira vez que os cientistas conseguiram excluir acções humanas directas – como a extracção de água para a irrigação ou a regulação dos caudais por meio de barragens, por exemplo – e, assim, demonstrar que o enfraquecimento da sazonalidade do fluxo fluvial foi impulsionado pelas alterações climáticas.

O enfraquecimento da sazonalidade do fluxo dos rios traduz-se, por exemplo, numa redução dos níveis dos rios na Primavera e no início do Verão em regiões de degelo. Esta mudança no comportamento fluvial pode afectar não só o crescimento das plantas ao longo das margens, mas os próprios organismos que vivem no rio.

“A região a montante do rio Reno (que atravessa a Alemanha, a França e os Países Baixos) originada nos Alpes sofreu um enfraquecimento da sazonalidade do fluxo do rio. A sazonalidade alterada do caudal do rio pode levar a alterações na disponibilidade de água ao longo das estações, com escassez ou excesso de água nalguns meses. Isto pode afectar a capacidade de as comunidades satisfazerem as suas necessidades de água para a agricultura na época de crescimento das culturas, bem como impactar a biota de água doce”, refere Junguo Liu.

Estas perturbações fluviais podem ainda ameaçar a segurança hídrica e a biodiversidade da água doce, alertam os autores do estudo da Science, que consideram “essencial” desenvolver estratégias parar aliviar a “futura homogeneização do fluxo sazonal” dos rios em locais como a Escandinávia, a porção europeia da Rússia e o Canadá.

“Há uma necessidade crescente de agilizar esforços de adaptação climática para salvaguardar ecossistemas de água doce”, alerta o estudo. Estes esforços são essenciais para “estabelecer uma gestão sustentável dos recursos hídricos”, lê-se no documento, “identificando e mitigando riscos relacionados com inundações e secas, explorando oportunidades de armazenamento e optimização de reservas para irrigação ou geração de energia hidreléctrica”.