Compromisso de Regime para a Ciência e Inovação 2024-2034

Compromisso para a ciência e inovação subscrito por cientistas, gestores de ciência e empresários. Falta definir e implementar um plano a médio-longo prazo ambicioso e ininterrupto de consolidação.

A investigação científica e a inovação são determinantes na capacidade de criar valor e de sustentar as alterações estruturais que contribuem para que o país se modernize e seja mais informado, mais produtivo e mais competitivo – condições fundamentais para aumentar o rendimento dos residentes em Portugal. Numa sociedade cada vez mais qualificada, só o apoio à Ciência e Inovação (C&I) pode garantir um sistema de ensino moderno e atualizado e melhores empregos e salários, à semelhança das economias mais desenvolvidas.

O impacto da ciência é multifacetado: envolve a criação de conhecimento sobre o mundo e sobre nós próprios, a definição de melhores políticas públicas baseadas em conhecimento e o impacto económico e social associado ao desenvolvimento de melhores tecnologias. Esse impacto depende do apoio e reconhecimento às várias vertentes da C&I da investigação básica ou fundamental à investigação aplicada, que se traduzem em inovação, transferência do conhecimento e empreendedorismo.

Além disso, a investigação científica é essencial para permitir escolhas coletivas baseadas no conhecimento científico e em factos.

Os apoios públicos à ciência condicionam fortemente a capacidade de inovação e a prestação económica em setores chave. A resposta do nosso país à pandemia mostrou claramente como a C&I são determinantes para melhorar as escolhas e estratégias ao dispor da sociedade e para gerar informação útil de apoio à decisão. Os países mais desenvolvidos têm políticas plurianuais e suprapartidárias, o que se traduz em grandes vantagens económicas e sociais e os posiciona como líderes na criação de uma economia verde, digitalizada e altamente produtiva. O conhecimento que geram alimenta uma atividade económica com grande valor acrescentado; produz e atrai recursos humanos altamente diferenciados; fomenta empresas que geram produtos com grande potencial de exportação.

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Investir 3% do PIB em ciência e inovação antes de 2030 é a proposta dos signatários do compromisso de regime para esta área DAVID CLIFFORD/Arquivo

Para que a C&I nacional tenha real impacto na sociedade e na economia, é essencial enfrentar desafios estruturais, e concretizar a promessa de um investimento substancial, regular e previsível em C&I. Estes desafios estão já amplamente diagnosticados, reúnem o consenso de toda a comunidade científica e não são mais do que medidas racionais, reconhecidas nas políticas europeias, que os países mais avançados aplicam há décadas.

Mais ainda, os desafios que a humanidade enfrenta só serão superados pelo avanço do conhecimento e da tecnologia que daí advirá. A dimensão, complexidade e gravidade desses desafios não pode ser resolvida sem compromissos fortes com a fonte desse saber e da esperança que nele temos de depositar.

São necessárias medidas estruturantes que traduzam um compromisso sério e de médio-longo prazo (a mais de dez anos), que potenciem e consolidem o crescimento recente nesta área, que permitam progredir de forma ambiciosa, criando e fortalecendo um ecossistema que atraia o melhor talento e as empresas inovadoras. Estas medidas permitirão a Portugal ter uma política de C&I que abra caminho a uma sociedade mais justa, segura, resiliente, sustentável e digital, articulada com o “European Green Deal” e com os demais países da União Europeia (UE).

As reformas e melhorias que propomos no Compromisso de Regime para a Ciência e Inovação 2024-2034 (CRECI 2024-2034) são determinantes para evitar o desgaste e a frustração da comunidade científica, para atrair e reter talento e para a sua mobilização e reforço da sua relação com a sociedade, aumentando a competitividade e o desenvolvimento do país.

Propomos um Compromisso de Regime para a Ciência e Inovação que aumente a despesa em C&I pelo menos até aos 3% do produto interno bruto (PIB) antes de 2030, convergindo com o nível dos países europeus mais desenvolvido. O compromisso procura empenhar a comunidade científica num maior contributo para o crescimento, na translação de conhecimento e na promoção da inovação colaborativa com as empresas e com as instituições públicas; procura empenhar as empresas num reforço da competitividade e investimento em investigação e inovação, na valorização dos trabalhadores; e o Estado no reforço dos recursos, de forma previsível, transparente e desburocratizada.

As ideias aqui apresentadas não são contraditórias com os programas de governo apresentados por múltiplos partidos nos últimos anos, demonstrando o consenso nacional sobre os pilares básicos necessários para alavancar a capacidade de Portugal em C&I. Falta, no entanto, definir e implementar um plano a médio-longo prazo ambicioso e ininterrupto de consolidação.

A proposta do CRECI 2024-2034 é um acordo alargado que espelha um compromisso público por parte de diferentes sectores – governos central e regionais, partidos políticos, indústria, sector académico e de investigação, setor financeiro, sociedade civil –, com objetivos claros a dez anos, monitorizados independentemente, que se transforme num motivo de orgulho nacional. Este compromisso assentará nos cinco eixos principais que desenvolvemos neste documento.

1) Financiamento para a ciência e inovação igual ou superior a 3% do PIB

Para que o sistema de C&I seja competitivo, o financiamento não poderá ser inferior a 3% do PIB. O crescimento económico e social depende deste impulso na investigação e inovação. Estimativas da Comissão Europeia mostram que um aumento no investimento em investigação e inovação correspondente a 0,2% do PIB leva a um incremento de 1,1% do PIB de cada país e que cada euro investido em programas europeus tem um retorno de 13-14 euros.

Os Estados-membros da UE acordaram atingir uma despesa em C&I de 3% do PIB durante o Conselho de Barcelona de 2002, e a Estratégia de Lisboa definiu 2010 como prazo. Países que têm como objetivo liderar nos setores do conhecimento, como a Coreia do Sul ou Israel, investem mais de 4,5% do PIB em C&I. Portugal e a UE não podem esperar mais dez anos por um compromisso que já leva uma década de atraso. É imperioso deixar de pensar no financiamento da C&I como uma despesa e assumi-lo com um investimento no futuro.

Em Portugal, nos últimos anos, houve uma evolução positiva da despesa total em C&I, mas esta subiu apenas para 1,73% do PIB. É necessária uma convergência mais rápida para o objetivo europeu. Adicionalmente, é importante realçar que esse crescimento tem ocorrido pelo aumento da componente das empresas, uma vez que o financiamento público em C&I se encontrava em 0,32% do PIB em 2022.

Assim, 3% do PIB é o mínimo necessário à criação de alicerces fortes em investigação e inovação, aos quais se poderão acrescentar os fundos estruturais de apoio ao desenvolvimento regional, em áreas fundamentais como a descarbonização, a energia “verde”, a digitalização, as novas tecnologias da saúde, a produção alimentar, e a redução das assimetrias sociais e territoriais. O financiamento estrutural do sistema não pode ser secundarizado em relação a estratégias e programas pontuais, nem pode continuar refém de ciclos (nacionais ou europeus) e de preferências políticas.

É por isso essencial estabelecer um plano para alcançar este objetivo mínimo de 3% a 3-5 anos. Seria um objetivo razoável ultrapassar os 2% do PIB já em 2025, e os 2,5%, em 2027, chegando aos 3% antes do fim de 2030.

2) Financiamento plurianual, previsível, transparente e desburocratizado

O financiamento público da C&I é feito através do apoio à investigação e inovação, tanto a unidades de investigação e desenvolvimento (I&D) e instituições de ensino superior (IES) como a empresas. No entanto, as IES não têm recebido qualquer financiamento específico para C&I e, apesar de se prever a partir de 2024 uma componente do Orçamento do Estado (OE) para C&I nas IES, importa reforçá-la e prever a consistência desta medida ao longo dos anos. O papel do Estado, enquanto catalisador dos investimentos em C&I empresarial, é reconhecido como crítico em todos os países desenvolvidos, quer através de financiamento direto a projetos de inovação selecionados em diferentes fases, quer através de benefícios fiscais às empresas que realizam esses investimentos.

Por outro lado, o papel central da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) em Portugal contrasta com o conjunto diversificado de instituições de financiamento que é regra noutros países. Esta diversificação é essencial para todo o processo da cadeia de valor, desde a investigação fundamental à ligação com as empresas. A Agência Nacional de Inovação (ANI), o IAPMEI e a Startup Portugal, o Banco de Fomento, o COMPETE e a AICEP assumem um papel central no apoio do estado à C&I em contexto empresarial. A forma como funcionam, os incentivos e apoios que distribuem afetam todo o sistema de ciência e inovação, com efeitos na capacidade de produzir ciência, de reter talento, de contribuir para a inovação e de atrasar ou acelerar investimentos empresariais. É por isso determinante garantir uma forte melhoria do funcionamento e das práticas destas instituições.

Assim, é fundamental garantir um planeamento do investimento de forma coordenada e sinérgica, cobrindo todo o ciclo de C&I, bem como o reforço de meios e a autonomia das agências financiadoras, garantindo estabilidade independente de ciclos políticos, como referido no relatório recente da OCDE . Propomos a criação de um conselho de entidades financiadoras de C&I, para coordenar a implementação de uma estratégia global de apoio à C&I que abranja diversos ministérios, promovendo também a definição e utilização de melhores práticas.

O modelo de governação da FCT deveria ser reformado, conferindo-lhe mais autonomia e flexibilidade, podendo contratar mais pessoas e oferecer carreiras mais bem remuneradas, garantindo assim a continuidade da política de financiamento de C&I, independentemente dos ciclos políticos. O financiamento da FCT deve ser plurianual e depender do OE e não de fundos estruturais, que, com as suas próprias regras e condicionantes, não permitam a implementação de uma política científica do país.

2.1. Plurianualidade, previsibilidade e eficiência nos processos de avaliação e resposta

É necessário dotar a FCT, a ANI, o IAPMEI e a AICEP dos meios necessários ao cumprimento das suas missões e responsabilidades. O financiamento tem de ser garantido a médio prazo, com calendários plurianuais (cinco anos) e públicos. É fundamental que as avaliações sejam feitas num prazo rápido e no rigoroso cumprimento do estipulado. As agências devem ter uma estratégia de longo prazo para a internacionalização, que promova no estrangeiro a C&I nacional e que permita a efetiva participação dos atores nacionais na génese dos grandes consórcios internacionais, com a respetiva capacidade de influência desde as fases iniciais dos consórcios vencedores (que canalizam grandes investimentos e atraem talento para o país).

Para tal, é necessário garantir:

• Uma política estável de avaliação e financiamento robusto das atividades, pessoas e infraestruturas das instituições científicas e de inovação nacionais, que permita planear a longo prazo, recrutar regularmente para posições de formação e outras permanentes, bem como valorizar as carreiras e salários dos recursos humanos altamente qualificados necessários, incluindo investigadores e outras profissões, que apoiam, facilitam e potenciam a C&I;

• Pelo menos um concurso anual de projetos de investigação, agendado para o mesmo período do ano e em todas as áreas científicas, com dotações reforçadas, como acontece na maioria dos países da UE, em conjunto com concursos regulares e previsíveis de projetos colaborativos e demonstradores. Em todos os concursos deve haver taxas mínimas de sucesso de 15-20%, justificando o exercício de avaliação e a opção estratégica nesse concurso.

• A existência de um plano estratégico nacional para a C&I, com uma componente global e outras sectoriais, em que se definem de forma transparente os critérios de seleção e as prioridades escolhidas, assente na capacidade existente e articulado com as prioridades europeias.

Estas medidas são absolutamente essenciais. Muitas outras podem ser equacionadas, inspiradas nas melhores práticas de outros países, em articulação com a comunidade de C&I. Os instrumentos de financiamento, assim como as taxas de aprovação que definirão as dotações de cada concurso, devem ser objeto de avaliação e reflexão para permitir a previsibilidade, competitividade e justiça no sistema.

2.2. Um simplex para a Ciência e Inovação

A FCT, a ANI, a AICEP e o IAPMEI devem assumir-se como instituições modelo, que seguem as melhores práticas de agências internacionais congéneres, em termos de simplificação e promoção da transparência, e quando possível e adequado, utilizando procedimentos comuns entre elas. Assim:

• Os critérios, formulários, plataformas de submissão e avaliação dos projetos e candidaturas devem ser desburocratizados, transparentes, estáveis e fáceis de usar. Os procedimentos administrativos complexos consomem tempo dos cientistas, dos avaliadores e equipas de gestão. Este tempo é um custo financeiro e leva a uma perda de competitividade e credibilidade internacional perante revisores.

• O uso do inglês deve ser a regra, de forma a não excluir cientistas e avaliadores internacionais, que são essenciais para a excelência e transparência do sistema de C&I.

• Todo o financiamento concedido ao sistema de C&I deve ser público, transparente e escrutinável, quer o financiamento direto (por exemplo, bolsas) quer indireto (por exemplo, benefícios fiscais).

• É importante reforçar mecanismos facilitadores da atração do melhor talento, através de vistos de residência e/ou programas fiscais dedicados, da desburocratização dos processos de reconhecimento de diplomas e de programas específicos que incluam outros benefícios (por exemplo, atribuição de verba para arranque da investigação; apoio à habitação/instalação, ou financiamento de residências para investigadores).

• Revisão dos procedimentos de contratação pública necessários aos processos de contratação de peritos nacionais e internacionais, incluindo possibilidade de instaurar bolsas de contratação.

3) Participação integrada das empresas no sistema de C&I

O papel das empresas na inovação é fundamental, através da implementação de programas próprios ou em colaboração com IES e institutos de investigação. Os instrumentos de apoio às empresas podem ser diretos (apoio a projetos), indiretos (benefícios fiscais), para alavancarem a capitalização, determinante para a inovação disruptiva. Estes instrumentos fundamentais à participação das empresas no sistema de C&I são semelhantes aos de outros países, mas não garantem qualidade e sustentabilidade, por falta de acompanhamento, previsibilidade, transparência e exigência.

Assim, o Estado deve definir mecanismos que identifiquem e estimulem as empresas mais empenhadas, capazes e inovadoras e que promovam a confiança e relações de longa duração entre os diferentes sectores. Estes mecanismos devem incluir três tipos de ações:

Estímulos à ligação entre empresas e instituições de investigação através de: a) criação e/ou reforço financeiro e avaliação do impacto das estruturas apropriadas, como os gabinetes de ligação à indústria e sociedade e proteção da propriedade intelectual nas instituições de C&I, facilitando o seu trabalho em rede; b) reforço dos apoios à colaboração entre universidades e/ou unidades de investigação e desenvolvimento com empresas e centros de tecnologia e inovação; c) avaliação e reforço/criação de programas colaborativos e clusters de inovação, potenciando contatos e sinergias; d) reforço da abertura de concurso de projetos vocacionados para empresas em que na sua execução se exija participação/subcontratação de unidades do sistema científico e tecnológico nacional; e) revisão de regras da carreira docente e de investigação para a participação de investigadores em projetos de empreendedorismo que valorizem a I&D colaborativa com empresas.

Adaptação de incentivos fiscais para empresas que contratem entidades do sistema de C&I e/ou doutorados, pequenas e médias empresas (PME) e spin-offs académicas ou startups de base tecnológica, que tendem a não ser abrangidas pelo SIFIDE II (Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial). Promoção dos benefícios e incentivos fiscais ao mecenato científico pelas empresas privadas, designadamente revisão em alta do valor de majoração e reforço da divulgação destes benefícios junto das estruturas representativas nacionais (ordens profissionais e, entre outros, a Confederação da Indústria Portuguesa).

• Promoção de fundos de investimento estratégicos que alavanquem projetos de inovação, financiem com capital startups de base tecnológica e complementem outras fontes de financiamento. Estes devem cumprir as regras do Fundo Europeu de Investimentos para a qualificação dos fundos e das respetivas sociedades gestoras, garantindo a boa utilização do capital.

Para que estes mecanismos sejam efetivos, é importante que o apoio público às empresas seja avaliado por painéis internacionais, com resultados públicos e transparentes. É, ainda, fundamental um efetivo acompanhamento por parte das agências públicas, mandatadas para seguir o ciclo de planeamento e implementação desses investimentos, permitindo maximizar sinergias entre instrumentos públicos e privados e aumentando a flexibilidade na avaliação intermédia dos projetos. Isto só é possível se as agências forem dotadas de recursos humanos altamente qualificados e de autonomia.

4) Capacitação e construção de instituições de C&I autónomas e ambiciosas

A C&I é feita por múltiplas instituições em Portugal ainda pouco conhecidas fora do país. Nos próximos dez anos temos de ter a ambição de construir instituições científicas de referência a nível europeu. Este processo tem-se mostrado difícil por várias razões: instabilidade e modéstia do financiamento, ausência de instrumentos que possibilitem a definição de estratégias institucionais de médio e longo prazo alinhadas com as europeias, nacionais e regionais. Isto é particularmente grave nas instituições de ensino superior (IES) públicas, cujo financiamento a partir do OE não prevê qualquer componente para a C&I. Assim, a totalidade dos recursos que as IES canalizam para a C&I proveem de verbas próprias, na maior parte dos casos obtidas em concursos competitivos com ciclos de avaliação muito curtos (tipicamente de três a cinco anos).

Este quadro bloqueia a atração de talentos, impede a definição e implementação de estratégias de C&I e limita o potencial do tecido científico.

Propomos quatro eixos de ação fundamentais:

  1. Garantir o financiamento plurianual às instituições, permitindo assim uma estratégia de longo prazo, em termos de contratações, áreas de investigação prioritária e atração de financiamento internacional. Isto é crucial para combater de forma efetiva a precariedade no sistema científico português. Naturalmente, o financiamento de C&I nas IES através do OE deve ser acompanhado de escrutínio transparente e avaliação consequente, dependente de um contrato-programa plurianual, com responsabilização da instituição através de um conjunto de indicadores de desempenho científico e de impacto. Estas medidas contribuem para libertar as agências de financiamento da gestão burocratizada de programas como alguns apoios à contratação de recursos humanos. É também importante definir uma estratégia de longo prazo para as carreiras em C&I que permita atrair e reter o melhor talento para todo o ecossistema.
  2. O investimento em infraestruturas de investigação de interesse estratégico, que inclui não só equipamentos, mas toda a capacidade de captação de recursos, reveste-se, neste momento, de particular urgência, pelo seu papel central na capacitação e construção de instituições de C&I ambiciosas. Deve ser plurianual e continuado, de forma previsível, estável e alinhado com o roteiro Europeu de Infraestruturas de Investigação (ESFRI) e infraestruturas digitais.
  3. É importante identificar áreas de forte potencial de crescimento, em que o país tem capacidade científica e empresarial, e apoiar projetos com dimensão internacional, garantindo financiamento de médio e longo prazo. Tal fomentará alterações estruturais que resultarão na emergência de novas áreas de exportação em que o país possa afirmar liderança, a nível europeu ou mundial. Este trabalho de análise estratégica de médio e longo prazo implica a criação de estruturas de avaliação e aconselhamento científicas, multidisciplinares e independentes.
  4. Finalmente, é importante refletir sobre a complexificação do sistema que resulta da multiplicidade de concursos para a criação de instituições (por exemplo Laboratórios Colaborativos, ou Colab, unidades de investigação, Laboratórios Associados) que geram uma miríade de inter-relações entre instituições e tornam cada vez mais complexo o nosso sistema científico, com acrescida burocracia e incerteza regulatória.

5) Uma estratégia nacional articulada com a estratégia europeia

A UE deu um grande passo em 2018 ao adotar uma Regulação Geral de Proteção de Dados que protege os seus cidadãos e cria um ecossistema único para um desenvolvimento tecnológico ético, valorizando os direitos humanos. Seguiu-se um “Green Deal”, para uma recuperação económica que salvaguarda os valores ambientais e promove o bem-estar e a qualidade de vida das gerações futuras. Está, ainda, a ser finalizado o Espaço Europeu dos Dados de Saúde.

Houve um aumento no investimento em C&I através do Horizonte Europa e o programa Portugal 2030 está no início da sua execução. Mais recentemente, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apoiou um conjunto de projetos Mobilizadores que juntam empresas, IES e institutos de investigação. No âmbito de uma das linhas de atuação da European Research Area da Comissão Europeia (Ação 13), está previsto um reforço com fundos europeus das áreas de Excelência em Investigação das IES. No entanto, em Portugal, esta visão não tem sido acompanhada por um reforço consequente do investimento em ciência.

É necessário potenciar estes instrumentos, tornando-os em verdadeiras vantagens competitivas, estimulando a economia de Portugal e da UE através da C&I, na tecnologia verde, na digitalização dos processos e na promoção dos valores europeus através de uma política com recursos adequados. Neste contexto é importante simplificar e facilitar sinergias entre fundos europeus geridos pela Comissão Europeia e aqueles geridos nacional e regionalmente, como os fundos estruturais, e entre estes e o financiamento privado e do OE. O amplo e ativo envolvimento da comunidade científica e empresarial no desenho e definição dessa estratégia, tanto a nível nacional como em cada uma das regiões (NUT II), será determinante.

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No Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa, em Oeiras Matilde Fieschi

Metas e monitorização do CRECI 2014-2034

Um acordo de regime estabelece um compromisso público por parte dos vários sectores envolvidos, cujo desenho final deve envolver todos os stakeholders para definir concretamente um roteiro de metas a atingir pelos atores do sistema de C&I. Propomos que se estabeleçam objetivos claros a dez anos, identificando as 3-5 ações essenciais que cada sector se compromete a atingir a 3-5 anos e a dez anos.

Por outro lado, é também crítico que o futuro governo e partidos da oposição estabeleçam um roteiro bem definido de financiamentos e medidas a implementar. Estes roteiros, financiamento e metas a atingir deverão ser monitorizados por uma organização independente, que poderá, por exemplo, monitorizar igualmente a execução dos fundos de coesão.

Notas finais

Apesar da excelente massa crítica que Portugal tem, o país está longe de se poder orgulhar de ter a C&I como pilar do desenvolvimento. As razões para este atraso são em grande medida conhecidas, estão amplamente diagnosticadas e podem ser enfrentadas. Nos últimos anos têm sido implementadas várias medidas e instrumentos, que, sendo úteis e tendo contribuído para o avanço da inovação colaborativa e para um forte crescimento do empreendedorismo, ainda não resolveram os problemas estruturais que minam o nosso sistema científico.

O caminho percorrido mostra que o investimento em C&I começa a dar retorno na economia: o investimento em capital de risco nas startups aumentou de uma média de 30 milhões de euros por ano, na década anterior a 2015, para 1500 milhões de euros em 2021. O número de patentes de empresas e instituições portuguesas registadas na Europa aumentou de 70 por ano para 286 numa década, tendo Portugal ultrapassado países como o Brasil, a Chéquia ou a Hungria, que há uma década registavam duas ou três vezes mais patentes do que Portugal.

Apesar deste aumento, Portugal está muito atrás dos líderes, sendo claro que o investimento em C&I, em particular na investigação básica de excelência que tem gerado ideias novas e disruptivas, tem impacto. Este investimento pode ter um efeito verdadeiramente multiplicador caso exista estabilidade e previsibilidade, financiamento e transparência, estratégia e visão de longo prazo e autonomia das instituições. É preciso uma nova visão ambiciosa de longo prazo, que ultrapasse esses desafios. É possível fazê-lo agora.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográficoSignatários:

Isabel Rocha (Universidade Nova de Lisboa, vice-reitora para Ciência e Inovação)
Mónica Bettencourt-Dias (Instituto Gulbenkian de Ciência, investigadora)
Joana Gonçalves Sá (Laboratório de Instrumentação e Partículas, investigadora)
Cláudia Cavadas (Centro de Neurociências e Biologia Celular e Faculdade de Farmácia Universidade de Coimbra)
Claudio Sunkel (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, investigador, Universidade do Porto)
Paulo Ferreira (professor catedrático, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa)
Luís Aguiar-Conraria (presidente da Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho)
Margarida Amaral (professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa)
Cláudio M. Soares (Universidade Nova de Lisboa, professor catedrático (ITQB-Nova) e pró-reitor para a Saúde)
João Ramalho-Santos (professor catedrático, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular, vice-reitor para a Investigação da Universidade de Coimbra)
Helena Freitas (professora catedrática da Universidade de Coimbra, coordenadora do Centro de Ecologia Funcional, coordenação do laboratório Terra)
José Luís Cardoso (investigador coordenador, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)
Maria M. Mota (diretora executiva do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa)
Isabel Horta Correia (professora catedrática da Catolica Lisbon SBE, Universidade Católica Portuguesa)
Luís Oliveira e Silva (professor catedrático, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa)
Mariana Gomes de Pinho (professora associada com agregação, ITQB-Universidade Nova de Lisboa)
António Costa Pinto (investigador coordenador, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)
João Rocha (professor catedrático, Universidade de Aveiro)
Manuel Sobrinho Simões (diretor do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto)
João Carlos Sousa (professor associado, Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, Escola Medicina, Universidade do Minho)
Ana Paula Duarte (professora catedrática, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior)
Paula Videira (professora associada com agregação, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, co-fundadora da CellmAbs)
Jorge Vala (investigador emérito, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)
Paula Marques Alves (diretora executiva do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, investigadora principal do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António da Universidade Nova de Lisboa)
Germano de Sousa (MD, PhD, CEO do Centro de Medicina laboratorial Germano de Sousa)
Orfeu Bertolami (professor catedrático, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto)
Susana Peralta (professora associada, com agregação, na Nova School of Business and Economics)
Arlindo Oliveira (Instituto Superior Técnico, INESC)
Ana Teresa Freitas (professora catedrática do Instituto Superior Técnico)
Mara G. Freire (investigadora coordenadora, Universidade de Aveiro)
Henrique Veiga Fernandes (Fundação Champalimaud, investigador)
Maria do Carmo Neves (presidente do conselho de administração do Grupo Tecnimede)
Filipe de Botton (presidente da Logoplaste)
Paulo Azevedo (chairman da Sonae)
José Pereira-Leal (CEO da Ophiomics)
António Bica (chief operating officer da Medinfar)
Luís Pereira de Almeida (coordenador do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia e do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra)
Pedro Bizarro (co-fundador e chief science officer da Feedzai)
Mário Figueiredo (Cátedra Feedzai de Aprendizagem Automática, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa)
António Câmara (professor da Universidade Nova de Lisboa, investigador do CENSE, fundador da YDreams)

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