TIJ encerra fase de argumentos sobre ocupação israelita da Palestina

Opinião deverá ser dada em cerca de seis meses. Não é vinculativa, mas terá peso.

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O presidente do Tribunal Internacional de Justiça, Nawaf Salam (segundo à direita), presidindo a uma das sessões Robin van Lonkhuijsen/EPA
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O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) acabou esta segunda-feira de ouvir argumentos de mais de 50 países e de três organizações internacionais num caso sobre a ocupação israelita dos territórios palestinianos, um recorde de participação.

Muitos dos argumentos ouvidos centraram-se no estatuto legal da ocupação israelita da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e da Faixa de Gaza, territórios que os palestinianos querem para um futuro Estado. Embora não fosse a questão em apreço, houve ainda países que pediram a retirada militar de Israel dos territórios.

Resultado de um pedido da Assembleia Geral da ONU em Dezembro de 2022, o processo no TIJ estava já em marcha antes do ataque de 7 de Outubro do Hamas a Israel, considerado o pior desde a criação do Estado judaico, e da operação militar israelita na Faixa de Gaza que se seguiu, em que o grau de morte e de destruição, assim como de corte de fornecimento de bens essenciais, não tem precedentes.

Aliás, o TIJ impôs, no âmbito de outro processo sob a convenção do genocídio, medidas provisórias a Israel que implicavam o permitir mais entrada e distribuição de ajuda humanitária, quase um mês depois, o responsável da agência da ONU que apoia refugiados palestinianos, a UNRWA, Philippe Lazzarini, disse que em Fevereiro se registou uma diminuição de entrada de ajuda humanitária de 50% face a Janeiro. Entre os obstáculos estão, disse Lazzarini na rede social X, “a falta de vontade política, encerramento regular de pontos de passagem e falta de segurança devido a operações militares e ainda o colapso da ordem civil”.

Quanto ao processo sobre o estatuto legal da ocupação, Israel escolheu apenas enviar uma declaração escrita de cinco páginas dizendo que uma opinião do TIJ sobre esta questão será prejudicial a negociações para o fim do conflito, dizendo que as questões da Assembleia Geral da ONU eram preconceituosas.

O texto pede ao TIJ uma opinião sobre as consequências legais da “ocupação, colonização e anexação” israelita dos territórios palestinianos, “incluindo medidas com o objectivo de alterar a composição demográfica, carácter e estatuto da Cidade Santa de Jerusalém, e da adopção de legislação ou medidas discriminatórias”. Quer ainda saber quais as consequências legais para todos os outros Estados da apreciação que for feita.

Os Estados Unidos, o maior aliado de Israel, argumentaram que o tribunal deveria considerar os argumentos da necessidade de segurança de Israel. “Todos fomos recordados dessas necessidades de segurança a 7 de Outubro, e elas continuam”, disse na sessão de quarta-feira o conselheiro legal Richard Visek ao tribunal, citado pela Reuters.

Não foi o único a invocar o 7 de Outubro. Também a Turquia, cujo representante falou esta segunda-feira, o fez: “A situação que se desenrolou depois de 7 de Outubro prova que, se não se lidar com a raiz do conflito israelo-palestiniano, não será possível haver paz na região”, declarou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros Ahmet Yildiz, também segundo a agência noticiosa britânica.

Outros representantes, como as Fiji, expressaram a opinião de que não cabe ao tribunal pronunciar-se.

Mas a maioria dos Estados que se pronunciaram pediram ao TIJ para declarar que a ocupação, que começou na sequência da guerra de 1967, é ilegal. O ponto que mais sublinharam foi o facto de a ocupação estar a “impedir a protecção do direito do povo palestiniano à autodeterminação”, disse ao site New Arab Sonia Boulos, professora de Direito e Relações Internacionais na Universidade Antonio de Nebrija, em Madrid.

Boulos disse que ainda que a opinião não seja vinculativa, ela “poderá ter um papel na legitimação ou deslegitimação das posições políticas da maioria dos membros da ONU”, e que pode ainda “tornar-se parte do Direito Internacional Consuetudinário, que é vinculativo”.

No direito internacional, segundo Boulos, “historicamente, a lei da ocupação permite ocupação temporária até ao fim das hostilidades”, e além da questão do temporário que no caso de Israel dura há décadas, há o facto de não poderem ser negados “princípios básicos do direito internacional, como o direito à autodeterminação dos povos e a proibição de anexação de território ocupado”.

A opinião deverá ser emitida dentro de cerca de seis meses. Há cerca de 20 anos, o TIJ pronunciou-se pela primeira vez sobre uma questão ligada a Israel, o muro/barreira de separação da Cisjordânia. O tribunal considerou então que eram ilegais os troços em que o muro se desviava da “linha verde”, a fronteira de 1949 que continua a ser a linha considerada internacionalmente como base para uma divisão de dois Estados, para abarcar território da Cisjordânia.

Apesar de Israel ter rejeitado o veredicto, em locais em que ainda estava a ser construído o muro houve ajustes no traçado. As partes construídas dentro da Cisjordânia mantêm-se até hoje.

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