Emigrar é uma forte possibilidade para muitos estudantes do Porto
Inquérito a universitários da cidade revela que uma maioria não espera um salário superior a 1250 euros quando chegar ao mercado de trabalho. No secundário, 53% tiveram explicações.
Metade dos estudantes universitários que responderam a um inquérito da Federação Académica do Porto (FAP) está a ponderar emigrar depois de concluir os estudos.
A poucas semanas das legislativas, a organização quis perceber o que pensam do futuro os alunos das instituições de ensino superior da cidade, perguntando, pela primeira vez no historial de inquéritos da FAP, se a emigração era algo que estivessem a considerar. Exactamente metade das 1002 pessoas que participaram admitiu que “sim”. Houve ainda 33% que preferiram não responder e apenas 17% rejeitaram a ideia de sair do país, o que indicia que o contingente dos que ponderam ir para o estrangeiro pode ainda crescer.
“Tínhamos uma percepção, uma noção informal a partir de conversas entre amigos e colegas. Agora temos números concretos”, comenta Francisco Porto Fernandes, presidente da FAP. “Que a percentagem seria elevada era o mais natural.” Ainda assim, admite que o valor é ainda maior do que estava à espera.
A hipótese da emigração surge, nos resultados do inquérito, “sempre de braço dado com a perspectiva de melhoria salarial”, aponta o dirigente. Entre os inquiridos, 47% esperam vir a receber entre os 1000 e os 1250 euros quando entrarem no mercado de trabalho e 33% estão convencidos de que o seu salário será inferior a 1000 euros. Há ainda 20% que acreditam poder receber um ordenado superior a 1250 euros.
É na área das Ciências e Tecnologia que mais estudantes manifestam propensão para emigrar – 65%. Em Letras, Comunicação, Saúde, Artes e Economia, a percentagem ronda os 50%, enquanto Direito, pela especificidade da legislação de cada país, é a área em que menos universitários dizem estar a pensar nesse futuro (38%).
Neste inquérito, realizado online entre meados de Janeiro e meados de Fevereiro, participaram estudantes das universidades públicas e privadas e também do ensino politécnico do Porto. Responderam sobretudo pessoas que estão a frequentar uma licenciatura (77%).
Outra pergunta inédita no questionário era sobre se os estudantes tinham tido explicações durante o secundário. Mais de metade (53%) respondeu que sim e, destes, uma grande maioria (63%) teve média de entrada no seu curso entre os 17 e os 18 valores. “Preocupa-nos muito. Muitas das desigualdades do ensino superior começam ainda antes de se ingressar”, afirma Francisco Porto Fernandes ao PÚBLICO. Estas percentagens parecem indicar que “a escola pública não está a conseguir garantir igualdade de oportunidades” e que “a nota de entrada está ligada à condição socioeconómica dos estudantes”, acrescenta.
Isso vê-se, continua o dirigente, ainda noutro indicador apurado neste inquérito: nos cursos de Medicina, com médias de entrada mais altas, há 7% de bolseiros, enquanto a percentagem sobe para os 40% em cursos de Letras ou Psicologia. Todos estes dados levam Porto Fernandes a concluir que existem “desigualdades gritantes” no acesso ao ensino superior e que este já não é o caminho mais óbvio para uma vida melhor. “Quando o ensino superior não proporciona mobilidade social, é porque algo está a falhar.”
Habitação pesa mais do que propinas
Pouco mais de um terço dos universitários que responderam ao inquérito estão no Porto deslocados e a habitação é a sua principal despesa: 40% dizem gastar mais de 300 euros por mês. Logo de seguida na lista de encargos surge a alimentação, que representa mais de 100 euros por mês para 72% destes estudantes. As propinas surgem a par de outras despesas, como transportes ou materiais para o curso, com um impacto inferior a 100 euros mensais.
“Não é admissível que um país que em 201 prometeu 19 mil camas [para estudantes] só tenha 3% das camas prometidas”, critica o presidente da FAP. “A pressão que sofre um estudante que paga 400 euros por um quarto é brutal. As famílias hipotecam as suas poupanças para cobrir essa despesa. Um semestre que corra um bocadinho pior é meio caminho andado para que um estudante mais pressionado pense em desistir.” Segundo os resultados obtidos pela FAP, 46% dos inquiridos já ponderaram interromper ou abandonar os estudos.
Francisco Porto Fernandes, que assumiu a presidência da federação há dois meses, apresentou recentemente um caderno de medidas à consideração dos partidos políticos. Entre estas estão a criação de uma secretaria de Estado apenas dedicada à Juventude, o que, acredita, permitiria definir “políticas estruturais” para as futuras gerações. Aumentar o número de camas em alojamentos, actualizar o valor das bolsas ou dar incentivos à contratação de recém-licenciados com ordenados atractivos são outras propostas que constam no documento.
Até agora, porém, o dirigente sente que os jovens têm sido esquecidos na pré-campanha eleitoral. Surpreende-o? “Acima de tudo, é algo que me entristece. O país está basicamente a formar para exportar e falar do futuro, das futuras gerações, está arredado do debate político.”