Pietro Casartelli começou a praticar esqui alpino aos dois anos, com o sonho de se tornar um atleta profissional e participar na Taça do Mundo da modalidade. Agora com 18 anos, o italiano diz que as alterações climáticas estão a tornar os seus objectivos muito mais difíceis de alcançar.
O aquecimento dos sistemas meteorológicos e o encurtamento da estação estão a ameaçar os desportos de Inverno e a pôr à prova a determinação de profissionais e amadores.
"Se continuarmos a ter épocas como esta, teremos de parar", disse Josiane Sempe, proprietária de uma loja de aluguer de esquis na estância de Hautacam, na fronteira entre França e Espanha, nos Pirenéus. "Acho que este ano está comprometido".
No ano passado, Pietro Casartelli inscreveu-se num campo de treinos no Chile, onde o Inverno do hemisfério sul proporciona neve na cordilheira dos Andes, um dos poucos destinos disponíveis para os atletas treinarem durante os meses mais quentes da Europa, uma vez que o calor recorde afecta até os glaciares mais altos do continente.
"Temos de nos desenrascar, mesmo que nem sempre possamos treinar no nosso melhor", disse à Reuters quando regressava de uma competição no centro de Itália.
A viagem ao Chile foi cancelada porque poucos participantes tinham condições financeiras para a efectuar. Simona Novara, porta-voz do Sestriere Ski Club, que Casartelli representa, disse que o treino de um mês pode custar até 8000 euros por atleta.
As alterações climáticas estão a tornar o esqui alpino um desporto de elite na Europa, uma vez que os locais de treino de Inverno estão a diminuir em número, enquanto as pistas de Verão de grande altitude quase desapareceram, afirmou Novara.
Um inquérito da União Internacional de Biatlo (IBU) revela que cerca de 60% dos atletas deste desporto que combina esqui e tiro sentiram o impacto das alterações climáticas, que afectam as condições de treino e de competição.
A IBU disse à Reuters que a capacidade técnica de produção de neve é um requisito para que qualquer local de biatlo de alto nível licenciado pela IBU possa realizar eventos mesmo com temperaturas mais quentes, como os do campeonato mundial de 2024 em Nove Mesto, na República Checa.
Em Chamonix, França, a histórica vitória de regresso do suíço Daniel Yule na Taça do Mundo masculina de slalom foi ajudada pelo degelo da neve, segundo o climatologista Mark Maslin.
As anomalias meteorológicas relacionadas com as alterações climáticas estão também a tornar-se comuns e a obrigar ao cancelamento de eventos, sendo o clima imprevisível um desafio ainda maior para os desportos de Inverno do que o aumento das temperaturas, afirmou Susanna Sieff, directora de sustentabilidade da Federação Internacional de Esqui (FIS).
"As tempestades do século estão a ocorrer a cada quatro ou cinco anos", afirmou.
Queda recorde de neve
A FIS teve de cancelar duas provas de esqui na Alemanha e em França este mês, enquanto a Taça do Mundo de Snowboard enfrentou uma enorme tempestade em Mammoth, na Califórnia, que provocou uma queda de neve recorde.
À medida que se aproximam os Jogos Olímpicos de Inverno de 2026 em Cortina-Milão, aumentam as preocupações de que as alterações climáticas possam ameaçar a competição.
"Em meados do século, restarão praticamente apenas 10 a 12 NOC (Comités Olímpicos Nacionais) que poderão acolher estes eventos na neve", afirmou o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, em Outubro.
A estância de Hautacam tem cerca de 20 pistas e, em Janeiro, mudou o seu nome para Hautacam Plage nas redes sociais, mostrando espreguiçadeiras e churrascos em vez de pistas brancas e chocolate quente.
"Será que esta vai ser a única receita para a nossa estância no Inverno? Não sei, é uma pergunta difícil de responder", disse Marie-Florentine Hulin, directora de comunicação e marketing da estância.
O Tribunal de Contas francês alertou este mês para o facto de o modelo económico das estâncias de esqui do país estar a esgotar-se face às alterações climáticas e de a maioria das estâncias poder vir a ser afectada até 2050, sendo as zonas a sul dos Alpes as mais atingidas.
"A situação da neve tende a piorar. Por isso, mais vale adaptarmo-nos a isso e encontrarmos outras actividades na natureza, como o ciclismo ou as caminhadas", disse Stephane Remy, um hóspede de Hautacam.