Cancro, causas naturais ou envenenamento: morte de Pablo Neruda de novo investigada
Um colectivo de juízes chileno determinou a reabertura da investigação da morte do poeta, ocorrida a 25 de Setembro de 1973, dias depois do golpe de Estado de Pinochet.
A 25 de Setembro do ano passado parecia encerrar-se em mistério a morte de Pablo Neruda. Ao cabo de 13 anos, o processo aberto na justiça chilena para determinar se a morte do poeta de Canto Geral resultara do cancro na próstata, de causas naturais ou de um envenenamento terminava sem que fosse deduzida qualquer acusação. Não foi, porém, o fim da história. Esta segunda-feira, na sequência de uma acção interposta pelo Partido Comunista do Chile (PCC) e pelo sobrinho de Neruda, Rodolfo Reyes, uma câmara do Tribunal de Recurso de Santiago decidiu por unanimidade reabrir a investigação. Três juízes, Martiza Villandangos, Elsa Barrientos e Jorge Gómez, determinaram a realização de novas diligências que poderão trazer, por fim, luz sobre o caso.
“Esta decisão é muito importante porque ratifica as nossas denúncias e os nossos anteriores argumentos de que, no contexto em que ocorreu a morte, houve intervenção do aparelho de terrorismo de Estado da ditadura militar”, declarou à EFE Juan Andrés Lagos, dirigente do PCC.
A morte do poeta e militante comunista, 12 dias após o golpe de Estado militar que derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, está desde há muito envolvida em polémica. Oficialmente, deveu-se a uma insuficiência cardíaca, consequência do cancro na próstata metastizado de que padecia. Essa é a versão que perdurou durante a vigência da ditadura chilena. Porém, há muito que se levantava a hipótese de Neruda ter sido um nome a juntar às muitas vítimas iniciais dos crimes cometidos pelo regime contra os seus opositores políticos.
O motorista e secretário pessoal do escritor, Manuel Araya, falecido em Junho do ano passado, denunciou em 2011 que a morte terá sido provocada por envenenamento. As novas diligências agora determinadas permitirão obter, assim acredita o colectivo de juízes, esclarecimentos definitivos.
Entre elas, adianta o diário espanhol El País, está uma nova peritagem à substância tóxica identificada num molar do poeta, em 2017, por um grupo de peritos internacionais. Estes não determinaram como a bactéria costridium botulinum, responsável pelo botulismo, chegou ao corpo de Neruda, mas questionaram a certidão de óbito – que será ela mesma alvo de peritagem, dado conter diferentes tipos de caligrafia –, onde a causa da morte é identificada como “caquexia cancerosa”. Ou seja, um enfraquecimento generalizado das funções vitais, que implicaria uma debilidade equivalente a uma gravíssima subnutrição – o corpulento Pablo Neruda pesaria cerca de 90 quilos quando da sua morte.
No ano passado, peritos da universidades de McMaster, no Canadá, e de Copenhaga, na Dinamarca, confirmaram que a bactéria se encontrava no corpo de Neruda quando da sua morte, dando força àqueles que acreditam na tese do envenenamento. Rodolfo Reyes chegou mesmo a dar o facto como comprovado. "Isto era o que esperávamos, porque o painel de 2017 já tinha encontrado clostridium botulinum [no corpo]. Mas não se sabia se era endógeno ou exógeno, ou seja, se era interno ou externo. E agora comprovámos que era endógeno e que foi injectado ou colocado”, declarou então o sobrinho de Neruda ao El País.
A reabertura do caso levará a que seja novamente investigado o paradeiro de uma figura-chave desta história (cuja existência, porém, não está cabalmente estabelecida): Dr. Prize (ou Price). Segundo o médico Sergio Draper, interrogado no decurso do processo judicial encerrado em Setembro, teria sido aquele clínico a substituí-lo no final do seu turno no dia da morte de Neruda. Porém, a investigação não conseguiu encontrar vestígios de qualquer médico com esse nome. Foi também ordenado pelo conjunto de juízes um interrogatório a Peter Kornbluh, investigador norte-americano que há muito se dedica ao estudo da possível intervenção do seu país no golpe militar que levou Pinochet ao poder.
De volta ao caso estará Eduardo Arriagada Rehren. Médico militar reformado, Rehren foi condenado em 2021 a sete anos de prisão pelo assassinato, em Novembro de 1973, do radialista e simpatizante comunista Archivaldo Morales. Detido dois meses antes pelos serviços especiais da polícia de investigação do regime militar, Morales esteve incomunicável durante 43 dias, numa solidão interrompida apenas para interrogatórios e sessões de tortura. A 12 de Novembro, depois de desfalecer, foi levado até à enfermaria de Eduardo Rehren; este injectou-lhe então uma substância que lhe provocou a morte minutos depois.
O nome do médico militar foi citado, no âmbito do caso de Neruda, por uma enfermeira da Clínica Santa María, em Providencia, nas imediações de Santiago do Chile, aquela onde o poeta e diplomata morreu a 23 de Setembro de 1973. O grupo de juízes determinou agora que Arriagada Rehren seja novamente interrogado e que sejam investigadas as semelhanças entre a morte de Neruda e o assassinato do radialista Archivaldo Morales.
“A verdade tarda em chegar, mas está a surgir pouco a pouco. É um grande avanço na justiça que pedimos desde há anos para o meu tio Pablo”, disse à agência Efe Rodolfo Reyes.