Pessoas que estão mais expostas à poluição automóvel podem ser mais propensas a apresentar grandes quantidades de placas beta-amilóides no cérebro, aglomerados de proteínas que são indicadores da doença de Alzheimer. Está é a conclusão de um estudo publicado nesta quarta-feira na Neurology, a revista científica da Academia Americana de Neurologia.
“O nosso estudo mostrou uma associação entre a exposição à poluição atmosférica relacionada ao tráfego e indicadores da doença de Alzheimer no tecido cerebral. Esta associação foi particularmente forte entre pessoas que não apresentavam um forte risco genético para a doença de Alzheimer, o que sugere que factores ambientais – como a poluição atmosférica – podem contribuir para Alzheimer em pacientes cuja doença não pode ser explicada pela genética”, explicou ao PÚBLICO a co-autora Anke Huels.
A cientista frisa um aspecto importante na hora de interpretar resultados científicos: uma associação não equivale a uma causa. Por outras palavras, este trabalho agora publicado na Neurology não demonstra que a poluição atmosférica favoreça a multiplicação de placas amilóides no cérebro. O que o estudo revela é que há uma associação entre uma coisa e outra.
Análise post mortem a 224 cérebros
Os autores realizaram uma análise post mortem do tecido cerebral de 224 pessoas e residentes em Atlanta, nos Estados Unidos, com idade média de 76 anos na altura em que morreram. Todas haviam anteriormente concordado em doar o cérebro para estudos ligados à demência. Com base no código postal de cada uma delas, foi possível estimar a poluição automóvel a que estiveram expostas nos três anos anteriores à morte.
Anke Huels reconhece que uma amostra de 224 participantes é modesta em comparação com outros estudos de saúde ambiental, que geralmente se baseiam em informações de indivíduos vivos e não requerem análises de tecidos cerebrais.
“Sempre desejámos uma amostra tão grande quanto possível para esse tipo de análise epidemiológica. Embora 224 não seja uma amostra particularmente grande, trata-se de um tamanho adequado, dadas as informações pessoais detalhadas (endereço e escolaridade, por exemplo,) que pudemos usar nas nossas análises”, refere Huels, que é professora na Universidade de Emory, em Atlanta.
Como parâmetro de poluição causada pelo tráfego automóvel, os cientistas escolheram um dos tipos de partículas finas que estão em suspensão no ar poluído, as PM2,5. Este poluente é assim chamado porque apresenta um diâmetro igual ou menor a 2,5 micrómetros. O nível médio de exposição no ano anterior à morte foi de 1,32 microgramas por metro cúbico e 1,35 microgramas por metro cúbico nos três anos anteriores à morte.
A etapa seguinte consistiu em comparar o grau de exposição à poluição com a extensão dos indicadores da doença de Alzheimer no cérebro (não só as tais placas amilóides, mas também depósitos da proteína tau). Os cientistas descobriram que as pessoas com maior exposição à poluição durante um e três anos antes da morte eram mais propensas a ter níveis mais elevados de placas amilóides no cérebro.
“Fiquei surpresa ao ver uma ligação tão consistente entre a poluição do ar e as placas beta-amilóides no cérebro, que é uma marca registada da doença de Alzheimer que já foi demonstrada estar associada à poluição do ar em outros estudos”, diz a cientista.
Pessoas com uma exposição a PM2,5 superior a um micrograma por metro cúbico no ano anterior à morte tinham quase duas vezes mais probabilidade de ter níveis mais elevados de placas. Já os indivíduos com exposição homóloga três anos antes da morte apresentavam 87% mais probabilidade de ter níveis mais elevados de depósitos de proteína beta-amilóide.
Os investigadores também quiseram avaliar se a principal variante genética associada à doença de Alzheimer – o alelo APOE e4 – afectava de algum modo a associação entre a poluição do ar e os sinais da doença de Alzheimer no cérebro. Acabaram por descobrir que a relação mais forte entre PM2,5 e placas amilóides estava patente nas pessoas que não apresentavam esta variante genética. O alelo APOE e4 é o factor de risco mais forte para doença de Alzheimer.
“Isto sugere que factores ambientais, como a poluição do ar, podem contribuir para a doença de Alzheimer em pacientes nos quais a doença não pode ser explicada pela genética”, insiste Huels.
Limitações do estudo
Entre as limitações do estudo está o facto de os investigadores só terem acesso ao endereço dos participantes na altura em que morreram. Isto significa que a poluição atmosférica foi estimada partindo do pressuposto de que a pessoa morou sempre ali, não considerando mudanças de código postal nos anos anteriores. Não se exclui a possibilidade, portanto, de classificações incorrectas da exposição à poluição do ar. O estudo envolveu sobretudo pessoas brancas com alto nível de escolaridade, pelo que os resultados podem não ser representativos de outras populações.
Outro desafio desta amostra de 224 pessoas é a alta prevalência da doença. “Mais de 70% dos doadores de cérebro tinham Alzheimer quando morreram. No entanto, houve variação suficiente em termos de gravidade da doença, que foi significativamente associada à exposição à poluição atmosférica relacionada com o tráfego no endereço residencial dos doadores”, afirma Huels.
A doença de Alzheimer surge comummente após os 65 anos, sendo uma condição neurodegenerativa caracterizada pela perda de memória e pela perda progressiva de competências sociais e quotidianas.
“A maioria das pessoas está familiarizada com o facto de que a poluição do ar afecta negativamente os nossos pulmões. Contudo, a maioria das pessoas fica surpreendida e assustada ao saber que a poluição atmosférica pode potencialmente influenciar o nosso risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Portanto, a atenção que esse tipo de investigação recebe pode ter um impacto positivo nas políticas públicas”, conclui a professora da Universidade de Emory.