Picanha é dos pratos com maior impacto na biodiversidade após análise a 151 receitas

Artigo da Plos analisou o impacto na biodiversidade causado por 151 pratos internacionais. A picanha e o churrasco estão entre os que têm maior pegada, ao contrário das receitas vegan e vegetarianas.

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A agricultura no Brasil tende a roubar espaço à biodiversidade no que toca à ocupação dos solos ,A agricultura no Brasil tende a roubar espaço à biodiversidade no que toca à ocupação dos solos rocharibeiro/GettyImages,rocharibeiro/GettyImages
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Pratos brasileiros como a picanha e o churrasco são dos pratos internacionais com maior impacto na biodiversidade, sugere um estudo publicado na revista científica Plos One esta quarta-feira. O trabalho associa os ingredientes de 151 pratos populares, oriundos de diferentes países, à forma como aves, mamíferos e anfíbios perdem habitat devido à expansão da agricultura.

“O Brasil contém tesouros de biodiversidade sem paralelo no mundo. O Cerrado, a Mata Atlântica, a Amazónia e muitos outros. A produção de alimentos no Brasil inevitavelmente tem um grande impacto na biodiversidade, pois [a agricultura] compete por terras com espécies únicas”, afirma ao PÚBLICO o co-autor Luis Roman Carrasco, investigador da Universidade de Singapura.

Roman Carrasco explica que o grande desafio é produzir os alimentos de que necessitamos e, ao mesmo tempo, manter os tais tesouros vivos. “Um caminho seria a intensificação sustentável, ou seja, produzir mais nas terras agrícolas que já temos. Outro é que o mundo coma menos carne bovina e faça a transição para dietas flexitarianas, vegetarianas ou veganas”, acredita o cientista.

Contudo, por uma questão de justiça ambiental, Roman Carrasco defende que o Brasil deveria receber compensação internacional por ser “um grande guardião” da biodiversidade global. “Deveria ser responsabilidade de todas as nações, e não apenas do Brasil, manter a biodiversidade e fazer face aos custos de oportunidade da agricultura”, frisa o autor.

Do curry à fraldinha

Os autores do estudo recorreram a listas gastronómicas publicadas nos canais CNN e TasteAtlas, ajustando a receita de cada prato para que perfizesse 825 calorias. No inventário recolhido pelos cientistas estão outras iguarias brasileiras como a fraldinha (um tipo de corte de carne bovina), o arroz de carreteiro (que inclui carne seca) e o quindim (uma sobremesa com coco).

“Trabalhar com pratos é difícil porque as receitas podem ser bastante ambíguas em termos de quantidades. Além disso, alguns ingredientes podem ser muito específicos de um país de origem e ser uma composição de muitos outros ingredientes, ou seja, um pouco como uma receita dentro de outra receita. Tentamos identificar cada prato, mas essas dificuldades fizeram com que algumas refeições não pudessem ser calculadas”, refere Roman Carrasco.

Entre os 20 pratos com maior impacto na biodiversidade estão pratos de carne como a picanha​, a fraldinha e o churrasco brasileiros, um ensopado coreano (yukgaejang) e uma canja de galinha sul-americana, mas também pratos veganos com leguminosas da Índia. É o caso da sopa de lentilha e do curry de feijão (rajma), ou o de grão-de-bico (chana masala).

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Os pratos de carne tendem a ser os que têm maior pegada ambiental e, neste estudo, surgem acompanhados das leguminosas indianas Emerson Vieira/Unsplash

Os vinte pratos com menor impacto em termos de biodiversidade tendem a ser vegetarianos ou veganos, ricos em amido e feitos com ingredientes como os grãos ou a batata.

“Quando decidimos o que comer, normalmente fazemo-lo em função do prato e não dos ingredientes. Então, pensar em termos de pratos torna mais leve o esforço cognitivo de tomar decisões sustentáveis”, explica o co-autor.

O cálculo do impacto na biodiversidade de cada ingrediente foi feito considerando a riqueza, o estado de conservação e a variedade de mamíferos selvagens, aves e anfíbios nas terras agrícolas usadas para a sua produção. Depois, os cientistas somaram a pegada de cada ingrediente para estimar o valor total do impacto de cada refeição. A pontuação final é condicionada pela origem (local ou global) e pelas características de cultivo do produto (industrial ou artesanal).

“Uma novidade do artigo é que estimamos as pegadas de biodiversidade dos pratos considerando a localização das espécies afectadas pela produção de cada ingrediente que entra no prato. Analisar essa pegada de maneira geográfica é importante, pois pode gerar perspectivas geralmente negligenciadas”, refere Roman Carrasco.

O caso das leguminosas na Índia

Os cientistas surpreenderam-se ao ver como as leguminosas da Índia, um dos principais produtores, apresentavam um alto impacto ambiental. “Isto faz sentido dada a elevada biodiversidade da Índia e o já muito elevado nível de fragmentação nas paisagens onde vivem espécies endémicas e com áreas de distribuição muito pequenas”, acrescenta o co-autor.

Roman Carrasco argumenta que não há nada de errado com as leguminosas em si. “Elas são fantásticas nutricionalmente e em termos de eficiência no uso da terra, o problema é que a Índia é o principal produtor”, alerta o cientista, numa resposta por e-mail.

O investigador pensa que os países do hemisfério Norte precisam de desempenhar um papel mais importante na produção de alimentos globais e, simultaneamente, de garantir fundos para a conservação da biodiversidade a países como o Brasil e a Índia.

“Os créditos voluntários de carbono ou de biodiversidade poderiam ser um passo para canalizar fundos não só para a conservação, mas também para o apoio dos meios de subsistência locais”, conclui.