Um estudo reuniu dados antigos e leituras novas dos níveis de mercúrio em três espécies de atum, em seis regiões dos oceanos, entre 1971 e 2022, e mostra que a concentração de mercúrio se manteve estável na maioria das regiões. A investigação, publicada nesta quarta-feira na revista Environmental Science & Technology Letters, defende que só será possível baixar a existência deste poluente nos ecossistemas quando se diminuir radicalmente as emissões daquele metal.
O mercúrio é uma substância perigosa para a saúde, que existe naturalmente na crosta terrestre normalmente na forma de sulfureto de mercúrio, conhecido como o mineral cinábrio. Desde o século XIX que as concentrações de mercúrio libertadas para o ambiente têm vindo a aumentar. Apesar de fenómenos naturais como a erosão das rochas e o vulcanismo poderem emitir mercúrio para a atmosfera, o aumento do metal no ambiente nos últimos dois séculos deveu-se largamente à actividade humana.
O mercúrio pode libertar-se na queima de carvão – as centrais eléctricas de carvão são as maiores fontes de emissão de mercúrio –, e é usado em actividades humanas como na mineração do ouro ou na produção de cosméticos e nas amálgamas para os dentes, o conhecido “chumbo dentário”, que foi nestes dias proibido a nível da União Europeia. Devido a estas emissões, o mercúrio acaba por ser comum nos oceanos, que são os grandes repositórios de toda a poluição terrestre.
A inalação de mercúrio puro – através de vapores – é um enorme risco para a saúde, podendo provocar danos graves nos sistemas nervoso, digestivo e imunitário, nos pulmões e nos rins, chegando até a ser fatal, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
O problema da acumulação
Quando o mercúrio é libertado na atmosfera, “pode viajar centenas de quilómetros graças ao vento antes de se depositar na superfície da Terra”, explica um panfleto do Departamento de Serviços Ambientais do estado de New Hampshire, nos Estados Unidos. “A deposição do mercúrio pode ocorrer de um modo rápido, passados cinco a 14 dias depois de ser emitido para o ar, ou pode demorar aproximadamente um ano – durante esse tempo o mercúrio pode residir no ar e ser transportado à volta do globo.”
Mas a substância referida neste estudo e contida nos atuns é outra, chama-se “metilmercúrio”. Esta molécula é formada por um átomo de mercúrio e um grupo metilo (uma molécula orgânica formada por um átomo de carbono ligado a três átomos de hidrogénio). O metilmercúrio é produzido por microrganismos que entram em contacto com o mercúrio que se deposita em terra e nos oceanos.
Por se manter bastante tempo no ambiente, o metilmercúrio é bioacumulável ao longo da cadeia trófica, ou seja, a sua concentração vai aumentando à medida que os microrganismos que produzem o metilmercúrio servem de alimento de pequenos peixes e invertebrados, que depois são comidos por peixes maiores, como as espécies de atum, e assim sucessivamente.
Isso faz com que um animal que esteja no cimo da cadeia alimentar possa ter uma concentração muito maior da substância do que a existente no ambiente ao redor, podendo provocar mais problemas. Deste modo, o metilmercúrio acaba por ter impacto nos peixes, aves e mamíferos, provocando “mudanças no comportamento, neuroquímicas, hormonais e reprodutivas”, de acordo com um estudo de revisão publicado em 2007, na revista Ambio.
A questão é a mesma para os consumidores – se a nossa base alimentar for rica em metilmercúrio, então pode haver um risco alto para a saúde, principalmente para as grávidas, os fetos e as crianças. “O envenenamento por mercúrio proveniente do consumo de animais marinhos tem ocorrido entre grupos indígenas em muitas partes do mundo, especialmente no Árctico”, de acordo com um artigo do Programa para o Ambiente das Nações Unidas sobre o impacto do mercúrio na humanidade.
Em 2017, entrou em vigor a Convenção de Minamata para combater as emissões de mercúrio no ambiente. É neste contexto que surge o novo artigo, assinado por Anaïs Médieu, do Instituto Universitário Europeu do Mar, perto de Brest, na França, e outros 24 investigadores. “O metilmercúrio está associado a défices neurocognitivos em fetos humanos e em crianças e a efeitos cardiovasculares em adultos”, lê-se no artigo. “Os humanos estão expostos ao metilmercúrio principalmente pelo consumo de alimentos vindos do mar, e do atum em particular, que é um dos peixes mais consumidos a nível mundial e tem concentrações relativamente altas de metilmercúrio.”
3000 amostras de músculo
A equipa focou-se três espécies de atuns: o atum-albacora (Thunnus albacares), o atum-patudo (Thunnus obesus) e o atum-bonito (Katsuwonus pelamis). “Estes atuns são predadores de topo, estão distribuídos a nível global, e são altamente explorados (constituem 94% das apanhas totais de atum)”, lê-se no artigo. Uma das características importantes destas espécies para os investigadores é que elas se mantêm na mesma região ao longo da vida. Por isso, “espera-se que reflictam os padrões de metilmercúrio das águas [do oceano] superficiais e subsuperficiais”.
A investigação contou com a análise de populações de atum-albacora do Noroeste e do centro leste do Atlântico, do centro norte e do Sudoeste do Pacífico, e do Oeste do Índico. No caso do atum-patudo, foram usadas populações do centro leste do Atlântico, do centro norte e do Sudoeste do Pacífico, e do Oeste do Índico. No caso do atum-bonito, foram observados cardumes do Noroeste e do Sudoeste do Pacífico, e do Oeste do Índico.
A equipa fez uma compilação global de medições de metilmercúrio, usando não só dados anteriormente publicados, como adicionando alguns dados novos dos anos mais recentes. Estes dados correspondem a quase 3000 amostras de músculo de atum. Em algumas populações, obtiveram-se medições desde os anos 1970 até 2010, mas em sete populações as medições existentes são do início do século até 2022.
Na maioria das populações, as concentrações médias de metilmercúrio mantiveram-se mais ou menos estáveis ao longo da década, abaixo dos dois miligramas de mercúrio por grama de músculo (esta foi a unidade utilizada). As cinco populações de atum-albacora tinham todas concentrações médias estáveis abaixo de um miligrama de mercúrio.
As duas populações que obtiveram resultados mais preocupantes foram os cardumes de atum-patudo no Sudoeste do Pacífico, que entre 2000 e 2022 tiveram variações de concentrações entre os um e os três miligramas de mercúrio, e os cardumes de atum-bonito do Noroeste do Pacífico, que entre 1995 e 2015 tiveram variações de concentrações entre cerca de um e três miligramas de mercúrio, observando-se um aumento ao longo dos anos.
Queda abrupta futura?
Depois, a equipa elaborou modelos futuros para perceber como seria possível diminuir a existência de mercúrio nas águas oceânicas, com um subsequente impacto positivo nos organismos marinhos e na saúde humana.
As emissões mundiais de mercúrio atingiram um pico na década de 1970. A partir de então houve uma queda contínua nas emissões da América do Norte e da Europa que, infelizmente, foi sendo contrabalançada com um aumento das emissões de mercúrio vindas da Ásia.
Por isso, nos últimos anos, apesar de não se ter atingido o pico de há 50 anos, as emissões globais de mercúrio voltaram a aumentar, de acordo com um gráfico do artigo. Nos oceanos, por outro lado, a concentração de mercúrio praticamente não parou de aumentar.
Assim, segundo os modelos da equipa, apenas com uma redução abrupta das emissões de mercúrio – o que significaria atingir-se zero emissões já em 2050 – haveria uma diminuição de mercúrio nos oceanos. Mas, ainda assim, os efeitos positivos no atum demorariam a verificar-se. “Os modelos prevêem que mesmo a política mais restritiva de emissões levaria dez a 25 anos a influenciar as concentrações de mercúrio dos oceanos, e só então se seguiria uma diminuição [da concentração de mercúrio] nos atuns nas décadas seguintes”, adianta um comunicado da Sociedade de Química Americana sobre o estudo.