Serviços públicos são pouco acessíveis e demorados, denuncia Provedoria de Justiça

Provedoria visitou 25 serviços públicos e concluiu que a informação disponibilizada tem, por vezes, erros. Espaços falham nas condições a quem tem mobilidade reduzida ou não fala português.

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Serviços públicos de atendimento ao cidadãos apresentam diversas falhas Marco Duarte/Arquivo
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A Provedora de Justiça defendeu esta terça-feira a proibição das linhas de valor acrescentado, bem como a necessidade de garantir a natureza facultativa das soluções digitais no atendimento aos cidadãos, como forma de evitar situações de exclusão ou dependência.

Num relatório com 25 recomendações relacionadas com o atendimento nos serviços públicos pós-pandemia, Maria Lúcia Amaral alerta que deve ser aferido o tempo real de espera pelo atendimento, considerando as filas de espera e as chamadas não atendidas.

"A pandemia de 2020 e 2021 e a necessidade de confinamento da população alteraram profundamente as práticas existentes, e, passada a emergência sanitária, muitas dúvidas e queixas sobrevieram sobre como estão a ser retomados os canais entre os serviços públicos e os cidadãos", lê-se na informação divulgada.

A provedora sustenta que é necessário promover, "através de divulgação adequada e suficiente", o atendimento presencial sem marcação.

Para fazer o diagnóstico e elaborar as recomendações, a Provedoria de Justiça realizou, no ano passado, uma análise das práticas de atendimento ao público, que incluiu visitas ao terreno sem pré-aviso. Em 14 localidades de Norte a Sul do país, foram visitados 25 serviços de atendimento ao cidadão, entre os quis da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Espaços Cidadão e Lojas do Cidadão, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), Instituto da Segurança Social (ISS) e Instituto dos Registos e do Notariado (IRN).

Adoptar práticas de gestão da afluência aos serviços públicos que diminuam os tempos de espera e previnam o aparecimento de redes de facilitação é uma das recomendações que constam no documento, no qual se pede uma aposta em soluções que potenciem o atendimento noutras línguas, seja através da produção de informação, seja na divulgação e generalização do recurso ao serviço de tradução telefónica, através da Linha de Apoio a Migrantes da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Como exemplo de falhas no atendimento dos cidadãos, a Provedoria de Justiça nota que, no caso da Segurança Social, o site oficial "não presta informação segura, clara e transparente sobre os actos que, em cada serviço, exigem ou não agendamento prévio". E acrescenta que a informação sobre o atendimento se encontra "dispersa pelas páginas de cada serviço" e "não é totalmente clara quanto à possibilidade de atendimento por videoconferência no IGFSS", o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

Por sua vez, no Instituto de Registos e Notariado (IRN), "observaram-se discrepâncias entre a informação que consta no site oficial e a que foi encontrada em locais de atendimento, nomeadamente quanto ao horário praticado" e aos assuntos tratados nos serviços, lê-se no relatório.

Serviços pouco acessíveis

Mas há mais falhas apontadas, como o facto de vários serviços não cumprirem a indicação governamental de dedicar pelo menos metade do horário de atendimento a cidadãos que não fizeram marcação. Esta, sublinha a Provedoria de Justiça, é uma tendência que se acentuou com a pandemia e que "alterou a percepção da disponibilidade dos serviços públicos, e o respectivo funcionamento".

Além disso, em diversos serviços, "as senhas para atendimento sem marcação para o próprio dia esgotam em escassos minutos após a abertura", o que provoca a formação de longas filas ainda antes do serviço abrir portas. Na visita feita à Loja do Cidadão do Saldanha, a 10 de Outubro de 2023, as senhas disponíveis no balcão do ISS para atendimento sem marcação (38) esgotaram pelas 9h15, nota ainda o relatório.

"As dificuldades de acesso aos serviços têm nos tempos de espera prolongados a face mais visível e podem ter outras consequências graves: favorecer a existência de redes de facilitação — cujos alvos são, não raramente, os cidadãos mais vulneráveis, incluindo os estrangeiros — e gerar conflitos entre os que aguardam pelo atendimento", refere o relatório.

Outro dos pontos destacados no relatório é o difícil acesso a estes serviços públicos por quem tem mobilidade reduzida, que encara frequentemente não apenas "falhas pontuais", mas também "problemas estruturais que é urgente resolver".

"No ISS e na ACT, dos sete serviços visitados, apenas três não apresentavam qualquer problema quanto à acessibilidade física dos cidadãos. Em alguns serviços verificou-se a existência de barreiras arquitectónicas que dificultam o acesso de pessoas com mobilidade reduzida e que exigem o apoio de terceiros", como acesso único por escadas, ausência de corrimãos e rampas ou impedimentos no acesso às mesmas, assim como de plataformas elevatórias a funcionar, dificuldades no estacionamento, balcões altos nos postos de atendimento.

Outro dos pontos que a Provedoria tem que ver com as "soluções casuísticas" encontradas pelos serviços para dar resposta aos pedidos da população estrangeira. "Se, por um lado, há serviços que dispõem de serviço de tradução próprio, outros dispõem de funcionários não especializados nesta área e com conhecimentos incipientes de alguma língua estrangeira. O Estado tem em funcionamento o Serviço de Tradução Telefónica (STT), criado no âmbito do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). No entanto, o recurso a este serviço é escasso e importa divulgá-lo junto de cidadãos e da Administração", refere o relatório.

No seu trabalho de campo, a Provedoria de Justiça refere ter-se deparado "com situações de voluntarismo por parte de muitos funcionários", que "sendo uma postura louvável, não está isenta de riscos quanto à qualidade e segurança do atendimento". E dá como exemplo a Unidade Local da ACT do Litoral e Baixo Alentejo (em Beja), onde há uma elevada afluência de trabalhadores de diferentes nacionalidades e em situação de especial vulnerabilidade.

"Os utentes encontram dificuldades de comunicação no atendimento, uma vez que não falam português e, na sua maioria, comunicam com muitas dificuldades em inglês. Por outro lado, os trabalhadores da ACT desconhecem por completo a língua de origem destes utentes, procurando, por iniciativa própria, através de serviço digital gratuito de tradução, dialogar com os mesmos", nota o relatório. O mesmo aconteceu em serviços de atendimento do ISS visitados em Lisboa, Braga, Alenquer, Moura e Serpa, onde as aplicações de tradução eram as grandes aliadas de cidadãos e funcionários.