Do SNS às pensões, passando pela educação e os impostos: os factos do debate entre PS e AD
Debate entre os principais candidatos a primeiro-ministro foi marcado pelos números, estatísticas e gráficos. Nem todos os dados foram rigorosos, mas nenhum candidato fugiu muito à verdade.
✔️"O SNS hoje produz mais do que produzia em 2015 — mais consultas, mais cirurgias, atende mais episódios de urgência" —Pedro Nuno Santos
Apesar de admitir que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem falhas que precisam de ser corrigidas, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, afirmou que actualmente este é mais produtivo do que era em 2015. Pelo menos, em número de consultas, cirurgias e episódios de urgência.
Comecemos pelo número de cirurgias. De acordo com o Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), realizaram-se em 2023 715.299 cirurgias, enquanto em 2015 se tinham realizado 552.468. Menos 162.761 do que em 2023.
Em 2023 houve mais de 1,32 milhões de consultas médicas hospitalares. Em 2015, o número foi inferior: pouco mais de 1,2 milhões.
Nas urgências dos hospitais, houve em 2023 6,19 milhões de atendimentos. Mais uma vez, foram feitos menos atendimentos em 2015: cerca de 6,11 milhões.
✔️" O Dr. António Costa retirou meia pensão a todos os pensionistas, decidiu actualizar para 2024 as pensões em metade daquilo que era o critério que a lei prevê. Depois, em Abril de 2023 ,recuou e repôs a situação" — Luís Montenegro
Durante o debate, o presidente do PSD, Luís Montenegro, acusou António Costa de ter cortado nas pensões, apesar de uns meses mais tarde ter recuado para "repor a situação".
Vamos por partes: em Setembro de 2022, o Governo de António Costa anunciou que o aumento das pensões previsto para 2023 seria pago em dois momentos: metade em 2022, e a outra metade em 2023.
Em 2022, os pensionistas receberam uma pensão e meia, apenas uma vez, em Outubro, e em Janeiro de 2023 o aumento das pensões foi de metade do que era previsível pelo cálculo normal da remuneração aos reformados.
Isto levaria a que, caso não houvesse uma compensação, a partir de 2024, o aumento aas pensões ia ser menor do que era suposto, porque o cálculo seria feito sobre o valor de 2023 (pensão aumentada em metade do que estava previsto). O que, em consequência, alteraria também o valor de 2024 e dos anos seguintes, se nada fosse feito.
Mas, em Abril de 2023, o Governo anunciou, efectivamente, um novo aumento das pensões com o intuito de compensar a actualização mais baixa e impedir que a partir de 2024 os pensionistas sofressem um corte de pensões.
⬤ "Nos últimos dois anos, prevendo o crescimento da receita fiscal, foram cobrados a mais, em cima da taxa de crescimento, seis mil milhões de euros de impostos" — Luís Montenegro
Na porção do debate dedicado a discutir a carga fiscal em Portugal, Montenegro apontou que, nos últimos dois anos, o Governo terá cobrado, mesmo depois de prever o crescimento da carga fiscal, seis mil milhões de euros a mais em impostos. Importa referir, porém, que uns minutos depois, voltou a referir a carga fiscal, mas apontando “mais de cinco mil milhões de euros face àquilo que estimaram”.
De acordo com a síntese de execução orçamental de Dezembro de 2022, a receita fiscal nesse ano foi de 52.024,7 milhões de euros. O valor previsto no Orçamento do Estado para 2022 era de 48.591,1 milhões, ou seja, menos 3,4 mil milhões de euros.
Já em 2023, a receita fiscal do Estado foi de 58.822,8 milhões. O previsto inicialmente no OE2023 eram 53.637,5 milhões de euros, menos 5,18 mil milhões.
Não é claro se Luís Montenegro se referia a um aumento de seis mil milhões em cada ano ou na soma de ambos. Caso seja a primeira hipótese, o número levantado por Montenegro peca por excesso no caso do ano 2022, mas está muito próximo do que se verificou em 2023.
Caso seja a segunda hipótese, o número que apontou é, até, inferior à realidade. No total dos dois anos, a receita fiscal foi superior ao previsto: 8,6 mil milhões de euros.
✔️"Temos hoje 25% dos alunos do secundário a frequentar escolas privadas" — Luís Montenegro
De acordo com o presidente do PSD, actualmente, um em cada quatro alunos do ensino secundário frequenta instituições do ensino privado.
De acordo com o relatório Perfil do Aluno 2021/2022, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, actualizado a 14 de Dezembro de 2023 (dados mais recentes), havia no ensino secundário 377.827 estudantes inscritos nesse ano lectivo. Destes, 282.659 são do ensino público, 6329 do ensino privado dependente do Estado e 88.839 do ensino privado independente.
Sendo assim, a soma dos estudantes inscritos em ambos os grupos de instituições de ensino privado (95.168) representa 25,19% do número total de estudantes do secundário. O número levantado por Montenegro, arredondado às unidades, é, portanto, verdadeiro.
✔️"Mais de metade desses 25% [estudantes no ensino secundário privado] é ensino profissional" — Pedro Nuno Santos
Em resposta ao número levantado por Montenegro, Pedro Nuno Santos argumentou que mais de metade "desses 25%" faz parte do ensino profissional.
De acordo com o documento mencionado no fact check anterior, entre cursos profissionais, cursos de aprendizagem, cursos artísticos especializados e cursos CEF (vários cursos que se podem incluir no ensino profissional), há 54.347 estudantes no ensino privado.
Tendo em conta que, no total, há 95.168 alunos no ensino privado, o número de estudantes no ensino profissional representa 57,1% do total. Como disse Pedro Nuno Santos, “mais de metade”.
⬤ "O abandono escolar caiu de 13,7% para 8% em 2023" — Pedro Nuno Santos
De gráficos e estatísticas em riste, o secretário-geral do PS não hesitou em apresentar o que considera terem sido conquistas do Governo socialista liderado por António Costa, do qual fez parte, quanto à educação. Afirmou, por exemplo, que "o abandono escolar caiu de 13,7% para 8% em 2023".
Segundo os dados do INE, organizados e disponibilizados pelo Pordata, os 13,7% mencionados pelo secretário-geral do PS são referentes ao ano de 2015. É verdade que, entre 2015 e 2023, o valor da taxa de abandono escolar desceu até aos 8%.
No entanto, a questão não é assim tão linear. Apesar da tendência decrescente no número de pessoas que abandonaram os estudos antes da sua conclusão, a verdade é que os 8% registados em 2023 representam, em bom rigor, uma subida em relação ao valor registado em 2022 (6,5%), ano em que a taxa de abandono atingiu um mínimo histórico. Também em 2016, o valor tinha subido, dos 13,7% apontados por Pedro Nuno Santos, para 14%.